TEA leve, cardiopatia e AVC: a emocionante história Marcela e Pedro


Postado por Autismo em Dia em 23/nov/2020 - 2 Comentários

Imagine ter um filho tão amado e, logo nos primeiros anos de vida, vê-lo enfrentar problemas de saúde do coração, do cérebro e ainda saber que ele tem TEA leve? Parece uma realidade improvável, mas é o que aconteceu com a nossa entrevistada da vez. Nós fomos conhecer a Marcela Will, de Bragança Paulista (SP). Ela é mãe do Pedro, de 9 anos, que é autista.

E é bem possível que você já tenha ouvido falar neles. Acontece que recentemente eles foram parar em diversos sites de notícia depois que um supermercado impediu que ele Pedro entrasse sem máscara. E, como é comum acontecer, uma pessoa que tenha tanto o TEA leve como outras variações do autismo pode desenvolver sensibilidades. E o uso de uma máscara, nesse caso, é um incômodo para Pedro.

A história dessa família é marcada por muitos momentos de luta, mas também de alegrias. Então, te convidamos a conhecer a seguir a vida dos nossos proTEAgonistas.

TEA LEVE

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Marcela Will

Índice

Um começo de vida conturbado

Casada, com a família formada e mãe da adolescente Giulia, nossa entrevistada Marcela certamente não imaginava o que estava por vir quando engravidou do segundo filho, o Pedro. O menino nasceu prematuro, com apenas 30 semanas quando o normal é nascer entre 36 e 40 semanas. ¹

Porém, com menos de 1 mês de vida, Pedro sofreu três paradas cardiorrespiratórias. Os exames feitos depois mostraram como resultado uma cardiopatia, que é quando o coração apresenta defeitos desde o nascimento. Esse problema atinge por volta de 1 a cada 100 crianças recém-nascidas no Brasil. A cardiopatia pode provocar na criança alterações na respiração, apatia, palidez, maior suor do que o normal, entre outros sintomas. E esse foi apenas o primeiro grande impacto na vida da família. ²

Assim, Pedro foi parar numa sala de cirurgia, uma operação que deu muito certo. Mas 24 horas depois Pedro sofreu não apenas um, mas dois acidentes vasculares cerebrais (AVC). “Quando nós chegamos nos hospital para visitar, o médico falou que ele não iria andar nem falar, mas que ele estava vivo e vida que segue. Aí nós fomos vivendo um dia após o outro. Ficamos muito tempo no hospital e tinha muitas convulsões”, conta Marcela.

Essa era rotina de Marcela durante os 11 primeiros meses, até que um acidente mexeu novamente com a saúde de Pedro.

Pedro, o sobrevivente

Aos 11 meses, Pedro estava brincando com a irmã e com a mãe na cama quando um carrinho de brinquedo caiu. Marcela conta que Pedro teve a reação de pegar o brinquedo e caiu da cama. Era uma distância mínima, de apenas 15 centímetros. Porém, foi suficiente para que ele batesse a cabeça e sofresse um traumatismo craniano.

Dessa forma, a rotina da família, que vinha se estabilizando, voltou aos corredores de hospital. Mas, para a alegria da família, Pedro lutava bravamente pela vida.

Marcela com seu filho autista Pedro, dentro de um carro

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Marcela Will

Os primeiros sinais do TEA leve

Por conta de tudo que tinha acontecido até ali, Pedro teve um desenvolvimento lento, principalmente por conta do AVC. “A gente nunca nem tinha pensado em autismo. O autismo que a gente conhecia era o autismo com bastante comorbidade”, explica Marcela. Com pouco mais de 2 anos, ainda sem andar e sem falar, a médica decidiu trocar o medicamento que ele usava.

A estratégia funcionou e Pedro começou a andar e a falar. Mas ainda apresentava comportamentos nada funcionais, como bater a cabeça na parede ou não olhar as pessoas nos olhos. “Para os médicos tudo era por causa de possíveis sequelas do AVC” conta Marcela.

Entretanto, aos 4 anos e já frequentando uma escola, as professoras chamaram a atenção da mãe para investigar a possibilidade de autismo. Essa ideia já tinha sido levantada por uma das médicas por quem Pedro passou. E um psiquiatra chegou a informar que Pedro tinha transtorno de borderline, que é caracterizado por comportamentos instáveis. ³

Mas Marcela foi atrás e, finalmente, recebeu o diagnóstico de TEA leve, dentro da classificação f84.0, que se refere ao autismo infantil. 4

Tratamentos e terapias

Por conta da cardiopatia e das sequelas dos AVCs, Pedro já tinha uma rotina de terapias e tratamentos que acabou beneficiando quando ele recebeu o diagnóstico de TEA leve. Enquanto muitas famílias veem sua vida mudar completamente, Marcela já estava acostumada com terapia ocupacional e com fonoaudiologia. “Isso acabou ajudando, porque foi estimulando. E ele é muito inteligente”, conta a mãe.

Pedro, um menino com TEA leve fazendo aula de jiu-jitsu

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Marcela Will

Quem é o Pedro além do TEA leve?

“O Pedro é um menino bom”, conta Marcela. “Bom de coração e educado. Ele é inocente. E isso não sou só eu que falo. As pessoas que convivem também dizem. E ele gosta das coisas do jeito dele. Ele adora ensinar coisas às pessoas, como, por exemplo, mexer em aplicativos. O Pedro não é muito ligado a pessoas. Se ele está com você, está tudo bem. Mas se você for embora, está tudo bem também. Ele não sofre por essas coisas”, conta Marcela.

Segundo ela, Pedro fica bem quando está tudo certo. Ele gosta que as coisas tenham rotinas bem definidas. “Se algo sai do combinado, aí ferrou. E ele estuda em período integral e com essa pandemia as coisas ficaram difíceis, porque ele adora essa rotina de ir para a escola, de chegar, de passar o dia. E ele é muito bom em matemática”.

Mas Marcela também nos explica que nem todo dia as coisas vão como o esperado. Em 2019, por exemplo, uma das professoras com quem Pedro se dava muito bem engravidou. E, de alguma forma, isso abalou Pedro, que passou a ter medo do contato com ela.

“Quando ele chegava perto dela, chorava inesperadamente e suava frio, ficava duro. Depois começou a não querer nem entrar na escola. Quando ele entrava, me ligavam dizendo que ele estava passando mal, com dor de barriga. Ele sentia dor de estômago, vomitava e chegava a fazer as necessidades na calça de tanto pavor. Foram quase três meses de muito sacrifício. A cada 15 dias eu pegava laudo para ele poder ficar afastado sem reprovar”, explica Marcela.

O impacto dessa história…

O efeito foi tão grande que Pedro chegou a repetir esse comportamento puramente emocional diante de uma outra professora. De alguma forma, ele transferiu o trauma anterior para essa outra profissional, que era uma espécie de professora substituta.

Quando as coisas saem do que é normal para ele, ele chega a ter febre. Do tipo de ficar internado e a gente passar 7… 15 dias no hospital sem saber o que é. Mas no caso da professora que engravidou, eu vi em grupos que muitas mães contaram que seus filhos autistas passaram por isso. Eles rejeitavam e não sabiam entender o sentimento quando a professora engravidava. Mas é bem difícil essa parte. 

Ele vai para a escola, mas tem que ser do jeito dele. Então no intervalo ele brinca um pouco, mas gosta de ficar sozinho. E aí se todo mundo grita ele já não fica feliz. E ele ainda lida com o fato de que na sala de aula ele é o mais inteligente”, conclui Marcela entre risos, mas claramente orgulhosa do filho.

Pedro na piscina, ele é um garoto com TEA leve

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Marcela Will

Quando Pedro e Marcela viraram notícia

Quem dera Marcela se a única preocupação sobre a educação de Pedro durante a pandemia fosse a mudança na rotina. Eles ainda tiveram que lidar com a repercussão nacional de um fato marcante. Um supermercado impediu que Pedro entrasse sem máscara, mesmo que ela tenha explicado que a situação dele é um pouco diferente.

No caso de pessoas com algum distúrbio sensorial, deficiência intelectual e autistas, a legislação abre exceção para o uso das máscaras de proteção contra o coronavírus. Essa determinação está prevista na Lei Federal 14019 de 2020. Mas a lei também determina que é preciso apresentar um comprovante médico que registre a patologia. A regra também vale para crianças menores de 3 anos, sejam neurotípicas ou não. Clique aqui para ler a lei na íntegra.

Os impactos do período de isolamento

Nesse dia, nem acionando a Guarda Municipal ela conseguiu entrar. Depois que ela expôs o fato nas redes sociais, a notícia foi parar em grandes veículos da imprensa. Agora, Marcela enfrenta um processo judicial contra a rede de supermercados. Por isso, ela não dá muito mais detalhes sobre o caso. Mas ela explica como a pandemia afetou seu filho neste e em outros aspectos.

“Esse ano ele começou bem, estava indo à escola e às terapias, aos clubes… estava tudo lindo e maravilhoso até que a pandemia começou de fato. Então tudo parou. E o Pedro, se não tiver nada para fazer e ficar só eu e ele em casa fica tudo bem e não acontece nada. Ele adora papel e fica o dia inteiro mexendo nisso. Mas foram muitas mudanças e o medo com tudo… e eu acabei testando positivo para coronavírus, o que deixou a gente bem apreensivo. Aí ainda teve o contratempo com o mercado que proibiu a entrada do Pedro. Essa história mexeu muito com ele. Ele fica dizendo ‘lá eu não vou entrar mais’… ‘lá eles não me querem’. E até hoje ele repete que lá ele não volta.”

Graças a essa exposição, Marcela comemora que a maioria dos estabelecimentos de Bragança Paulista não questiona mais quando eles entram. De toda forma, Marcela se previne. “Eu sempre ando com o RG dele, que tem a informação do CID. Algum laudo, também. Ando com camiseta [sobre autismo], tenho tatuagem. Apesar disso, ainda escuto aquela frase ‘nossa, mas ele é bonito, nem parece autista'”, reclama ela. “O ser humano precisa ter, sobretudo, empatia. Precisa saber pelo menos abordar as pessoas, precisa ter um jeitinho”, completa.

TEA LEVE - Marcela, vestida de máscara, e Pedro

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Marcela Will

Marcela, a engajada

A tatuagem e as camisetas de Marcela são só uma amostra do envolvimento dela na comunidade autista. Ela mesma se define, de fato, como uma mãe ativa. E nós ainda podemos chamá-la de criativa. Recentemente ela compôs duas paródias de músicas famosas sobre os desafios diários de se conviver com o autismo. Uma delas ela apresentou na escola de Pedro e a outra, com o tema da pandemia, que ela postou em suas redes sociais. Além disso, ela se envolve em projetos sociais e redes de apoios a famílias de autistas.

“Quando eu recebi o diagnóstico de autismo a gente começou a entender melhor. Aí eu comecei a pesquisar e informar às outras pessoas. Percebi que as pessoas tinham pouco conhecimento também. Então foi um trabalho incansável. Eu falava com as pessoas, fazia folhetos, posts no Facebook. Depois do diagnóstico de TEA leve, nós fizemos novas amizades, mas, infelizmente, perdemos outras.

Nem todos que convivem com o Pedro o aceitam de fato. Eu acabei me afastando, inclusive, de familiares que faziam diferença entre ele e outras crianças. Foi bem dolorido na época. Até mesmo nos presentes, davam para outro e não davam para ele. Ele já foi excluído até de aniversário de colegas da própria sala de aula. Teve conhecido que chegou a falar para a minha mãe para não me convidar para reuniões de família porque se não eu ia levar o Pedro e ele ia ficar gritando muito. Então hoje somos praticamente só nós, pai, mãe, avós e irmãos. Eu só levo o Pedro onde tem amor de verdade, onde sei que ele é bem vindo”, conclui.

ProTEAgonistas – a próxima história pode ser a sua!

Incrível a trajetória da Marcela e do Pedro, não é? Certamente ela ainda vai inspirar muitas pessoas. E você  também pode ajudar com isso, compartilhando com seus amigos.

E a gente também vai adorar contar a sua história, independente se vamos falar de TEA leve, como o Pedro ou outros graus. Cada história é única. Portanto, é só entrar em contato com a gente pelas nossas redes sociais. Pode ser no Facebook ou no Instagram. Queremos te ver por lá!

E para ler mais histórias reais é só clicar aqui.

Até a próxima! =)

Referências bibliográficas e a data de acesso:

1. Minha vida – 11/11/2020

2. Hospital São Matheus – 11/11/2020

3. Supera Farma – 11/11/2020

4. Mayra Gayato – 11/11/2020

“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”

2 respostas para “TEA leve, cardiopatia e AVC: a emocionante história Marcela e Pedro”

  1. Sonia Maria tobajas disse:

    linda história. perseverança amor e fé nos leva a momentos únicos. mas estou preocupada com uma amiga de 60 anos que teve um AVC esquemico
    ela está se recuperando. mas ficou ao meu ver com dificuldade de interagir socialmente. sintomas autista. isto pode acontecer?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


error: Este conteúdo é de autoria e propriedade do Autismo em Dia