Do hiperfoco ao diagnóstico de TEA: Vamos conhecer essa história?


Postado por Juliana Canavese em 09/set/2024 - Sem Comentários

Essa é uma história contada pela proTEAgonista Priscila, 38 anos. Ela é casada e tem dois filhos, Alice de 9 anos e Paulo, de 7 anos, que tem o diagnóstico de autismo Nível 1 de suporte. Atualmente mora em Minas Gerais, na cidade de Extrema. Essa mudança de cidade é recente, desde 2023 e foi essa mudança que fez, de fato, fecharem o diagnóstico do Paulo. O hiperfoco foi o principal sinal percebido por ela, vamos ver isso com detalhes ao longo do texto.

Priscila vai nos contar como foi reconhecer os primeiros sinais que chamaram atenção para procurar um profissional e correrem atrás do diagnóstico.

Por ser autismo Nível 1 de suporte, fica um questionamento trazido pela própria Priscila: O autismo Nível 1 de suporte, significa que é mais leve? E ainda, por não ter questões cognitivas envolvidas no desenvolvimento de Paulo, podemos considerar que para ele é mais fácil lidar com as questões próprias do autismo?

Vamos ver o que Priscila nos traz de reflexão?

Índice

Hiperfoco e outros sinais importantes

Quando Paulo tinha 4 anos, foi o momento em que Priscila percebeu os primeiros sinais de autismo. Quando ele começou a se posicionar e começou a dar voz para suas vontades. Foi aí que ela notou que tinha algo diferente mesmo.

Priscila conta que o processo de diagnóstico de Paulo foi difícil. Ela complementa: “Difícil não pela aceitação, porque envolve um pouco da minha personalidade, de meu jeito de ser, se tem que resolver um problema então a gente vai resolver, não fico me lamentando muito não… mas na parte mesmo de entender de fato o que o Paulo tinha, eu acho que pelo fato de ser Nível 1 de suporte ele não teve comprometimentos cognitivos… o Paulo quebrou estereótipos construídos sobre o autismo. O Paulo não teve atraso de fala, não teve atraso motor, não teve questão de não olhar no olho, de não interagir… não chamou atenção nesses fatos. Mas eu já percebia como mãe,  e principalmente porque a Alice é mais velha, eu comparava algumas coisas que eram diferentes.”

Os principais sinais percebidos por ela foram hiperfoco, ecolalia da fala, seletividade alimentar e rigidez cognitiva. Vamos explorar melhor cada um deles e como aconteceu com Paulo:

Hiperfoco

Priscila relatou que quando Paulo estava com 2 para 3 anos ele começou a apresentar o hiperfoco e isso chamou a sua atenção.

“O grande primeiro hiperfoco que ele teve foi em caixas d’água, mas não em caixas d’água comuns. Em São Paulo, morávamos próximo a um reservatório de água da Sabesp, com caixas gigantes. Ele era fascinado por isso a ponto de precisarmos passar em frente todos os dias. Ele só falava sobre isso e desenhava caixas d’água o tempo todo.

Também houve uma fase em que ele gostava muito de dinossauros, mas isso não me chamava tanto a atenção porque toda criança gosta de dinossauros. No entanto, no caso dele, era uma obsessão intensa, e minha casa ficou cheia de dinossauros.

Outro momento de hiperfoco foi quando morávamos perto do Pico do Jaraguá, um ponto turístico muito alto. Ele só falava sobre o Pico do Jaraguá, e precisávamos visitá-lo toda semana.”

O hiperfoco pode ser tanto uma força quanto um desafio. Por um lado, permite que a pessoa desenvolva um conhecimento profundo e habilidades avançadas em suas áreas de interesse. Por outro, pode dificultar a transição entre atividades ou a realização de tarefas que não estão relacionadas ao foco atual, podendo interferir na rotina diária ou nas interações sociais.

No contexto do autismo, o hiperfoco é visto como uma característica comum e faz parte da maneira como o cérebro autista processa informações e experiências.

Fonte: Arquivo Pessoal – cedida por Priscila

Ecolalia da fala

Outro sinal muito comum no autismo, é a ecolalia. A ecolalia é um fenômeno em que uma pessoa repete palavras, frases ou sons que ouviu, frequentemente sem compreender completamente o significado ou o contexto dessas palavras. No autismo, a ecolalia pode ocorrer por várias razões, como uma forma de comunicação, autorregulação emocional, ou como uma maneira de processar a linguagem.

Priscila conta: “Outra coisa que ele tinha e me chamava muita atenção é que ele fazia ecolalia, só que ele não repetia frases de filmes, ele repetia a própria fala… a gente perguntava: Filho, Por que você repete? Ele não sabia explicar, ele falava que não sabia.”

Essas coisas chamavam atenção de Priscila. “O Paulinho fugia dos estereótipos. Até conversei uma vez com uma mãe, eu tinha muito contato com mães autistas… aí uma vez sentei com ela pra conversar com ela e perguntei se ela não via nada de diferente no Paulo… mas ela me orientou a procurar um neuro. Como não tinha algo tão exacerbante, eu deixei pra lá.”

Seletividade alimentar

Outra coisa que começou a levantar suspeita foi a seletividade alimentar do Paulo. Ela conta que ele sempre foi muito seletivo, depois que parou de mamar no peito, ele não aceitou leite nenhum. “Isso começou a ficar muito preocupante, porque chegou uma hora que ele não comia, tinha uns 3 alimentos de sustância que ele comia… isso me preocupava muito.”

Pessoas autistas podem rejeitar alimentos com base em fatores como textura, cor, cheiro, sabor ou aparência. Essa seletividade pode levar a uma dieta limitada e, em alguns casos, a preocupações nutricionais.

As causas da seletividade alimentar no autismo não são completamente compreendidas, mas podem estar relacionadas a questões sensoriais, ansiedade, ou dificuldades com mudanças.

Rigidez cognitiva

A rigidez cognitiva de Paulo é muito grande, diz Priscila. “Esse é nosso grande trabalho, eu falo nosso, dos terapeutas também… A rigidez dele vai de não tirar a roupa em outro ambiente que não seja o banheiro para tomar banho, até a ordem de colocar a roupa. Aí tem todo um ritual, primeiro seca ele, depois coloca a camiseta, depois a cueca, depois a calça e a meia, se inverter essa ordem ele não aceita. De manhã ele acorda, toma o café, assiste TV e depois vai escovar os dentes. Se você acordar ele e for escovar os dentes primeiro, é um problema.

Minha mãe fica com eles na parte da manhã e se ela quer levar eles pra casa dela, é muito difícil levar ele pra lá, pois existe uma quebra na rotina.”

Pessoas autistas com rigidez cognitiva podem preferir rotinas fixas, resistir a mudanças e ter dificuldade em lidar com situações imprevistas. Isso pode se manifestar em insistência em padrões específicos, dificuldade em transitar entre atividades, ou forte resistência a alterações em planos ou ambientes.

Essa característica pode estar ligada a um desejo de previsibilidade e controle, ajudando a reduzir a ansiedade em um mundo que pode parecer caótico ou imprevisível.

Dos sinais ao diagnóstico

Todos esses sinais relatados, hiperfoco, ecolalia e outros, acenderam um alerta amarelo em Priscila. Paulo estudava em uma escola particular em São Paulo e nunca a chamaram pra falar sobre alguma questão diferente no comportamento de Paulo. Como ele levava o próprio lanche, ele não tinha problema com alimentação, pois ele levava o que ele comia. Foi quando chegaram em Extrema e ele foi para a escola pública que a questão alimentar começou a aparecer. Após 2 semanas de aula veio um bilhete no caderno para irem conversar na escola.

“Quando vi esse bilhete eu já sabia que a professora tinha visto algo que as outras professoras de São Paulo não tinham visto, e que ela me chamou pra isso, sabe?”

A influência da escola no diagnóstico

Então a professora a chamou, ela foi muito legal, muito gente boa e profissional também.” Ela tinha algumas especializações, tinha um olhar pro autismo de uma forma muito diferente, ela me chamou mesmo para um bate papo, para conversar… e as coisas que ela foi falando só foi dando certeza para as minhas dúvidas. Ela nos encaminhou para a psicóloga escolar e a psicóloga nos encaminhou para o neurologista. Tivemos algumas consultas com o neuro, e após algumas consultas ele nos deu o laudo. E aí passamos mais algumas coisas com uma neuropediatra para fechar alguns detalhes. Foi aí que conseguimos fechar o laudo, de fato, como autismo nível 1 de suporte com altas habilidades.”

Foi muito importante o olhar da professora para o processo de diagnóstico. “Ela teve um olhar muito atento, eu agradeço muito a Deus e a profissional que a Rosana é, a gente precisava de mais Rosanas nas escolas, pois é muito triste a falta de profissionais capacitados para conversar com pais e mães.”

Fonte: Arquivo Pessoal – cedida por Priscila

Uma questão importante para comentar, é que Priscila, impactada pelo caso de seu filho e pela carência de profissionais qualificados para atender autismo, decidiu ingressar em uma pós-graduação em Análise do Comportamento e aplicação de terapia ABA. ” Eu quis entender mais, e também para ajudar, eu senti uma escassez de profissionais habilitados.”

As primeiras intervenções e a reação da família

Priscila conta que quando foram para o neuro já começou um trabalho com a família… ” com minha filha, com meu marido, com minha família que estava aqui me ajudando. Meus pais, por serem mais idosos, tiveram um pouco de resistência, mas estavam abertos para aprender. Levei eles em algumas palestras. Hoje eles me ajudam muito, me ajudam demais.”

Ao fechar o diagnóstico eles tinham plano de saúde ativo. “A gente passava numa clínica muito boa, Espaço Singular. Eles nos atenderam muito bem. Mas  acabou que focaram na terapia ABA e no relatório da neuro ela informa que ele não precisava de ABA, mas sim de T. O, nutricionista para trabalhar a seletividade alimentar…”

No início de ano perderam o convênio por mudanças de emprego e ficaram parados. Faz pouco tempo, conseguiram encaixá-lo em um programa da Prefeitura. Ele começou a participar uma vez por semana de uma psicoterapia em grupo para interagir, num Espaço que se chama AEE.

Também participa de um grupo de Psicomotricidade, uma vez por semana. Está para iniciar em um grupo de seletividade alimentar com a nutricionista. “Com muito custo estamos conseguindo essas intervenções pelo SUS.”

O sentimento da mãe de Paulo sobre o autismo nível 1 de suporte

Priscila dividiu um pouco o que percebe sobre o julgamento das pessoas com relação aos níveis de autismo. Embora o nível 1 de suporte pareça menos desafiante que os outros, isso não o torna fácil e leve.

“Então, as pessoas invalidam um pouco a minha dor. Ah mas o Paulo nem parece autista, o autismo dele é leve. É leve pra quem? Para o Paulo não é leve. Para a família do Paulo não é leve também. São coisas pequenas,  mas que mexem totalmente com a estrutura da nossa família. A gente não pode sair pra jantar, almoçar, num restaurante de uma forma normal, como uma família normal. Pois a seletividade alimentar do Paulo é tão forte que ele não consegue sentar do nosso lado se no nosso prato tiver alimentos que ele não suporta.

Fomos viajar agora nas férias e tivemos uma experiência muito ruim… ele ficou bravo, estressado, ele chorou, ele começou a ter crise porque não queria estar naquele ambiente, o cheiro incomoda. Essas horas eu falo, é leve pra quem? Que a gente não consegue ter uma simples refeição em família num ambiente fora da minha casa. Até onde é leve? Hoje eu brigo muito, não fale pra mim que autista nível 1 é leve. Porque para o autista e para a família do autista não tem nada de leve mesmo.”

Um mensagem de Priscila sobre a mudança que o autismo trouxe na vida da família

O autismo ensinou a família a se reinventar. Se for preciso, recalculam a rota diversas vezes. Ela não vê problema nenhum nisso, pois o foco deles é o bem-estar do Paulo. Até mesmo a própria Alice, que ainda é pequena, precisa sempre buscar entender o lado do Paulo e exercita a compreensão para ajudar a recalcular quando for preciso.

“Eu não vou ficar tentando enfiar o Paulo numa caixinha pra moldar ele para o mundo!”

Essa história foi uma verdadeira aula sobre o que os pais e cuidadores podem prestar atenção nos sinais sobre o autismo. Para além dos marcos do desenvolvimento iniciais, existem sinais que podem ser percebidos mais tarde mesmo e só assim será possível chegar ao diagnóstico. Cada história é única e essa deixou uma mensagem importante sobre disposição para o bem-estar de um menino autista.

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