Dentista para autistas: como é um atendimento inclusivo

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Postado por Autismo em Dia em 23/jun/2022 - 19 Comentários

Hoje vamos conhecer o trabalho incrível de um dentista que ficou conhecido como “o encantador de autistas” em Curitiba-PR. O apelido foi dado pelas próprias mães que levaram seus filhos autistas para serem atendidos por ele.

O Dr. Edson Higa é um dentista que atende especialmente crianças (inclusive neurotípicas) e pessoas com as mais diversas deficiências. Ele cedeu uma entrevista repleta de detalhes sobre sua experiência e atuação, e nós contaremos tudo para você, leitor, no decorrer deste artigo. Então continue a leitura e saiba tudo!

Dentista para autistas: quem é Edson Higa

Edson Higa é formado na área da odontologia há mais de 30 anos. Segundo o dentista, ele atende crianças neurodiversas desde o início da carreira e já notava ter facilidade nesses atendimentos desde então. Veja o que ele nos contou a respeito:

“De alguma forma essas crianças respondiam ao meu tratamento com mais facilidade. Então eu fui em busca de especialização. Na Universidade de São Paulo, em Bauru, me especializei em odontopediatria. Passei quase quatro anos nessa universidade e durante esse tempo atendi crianças com deformidades craniofaciais e todas as outras experiências que surgiam nessa área.“

Dentista para autistas: atendendo crianças neurodiversas

Em 1995, após finalizar sua especialização em São Paulo, Edson mudou-se para Curitiba para abrir seu consultório. Foi aí que ele passou a atender mais crianças neurodiversas, principalmente autistas e também crianças com paralisia cerebral.

“Montei um consultório com outros três dentistas, e então, as crianças que eles não conseguiam atender eram encaminhadas para mim. Lembro bem do meu primeiro paciente autista. Ele tinha entre 2 e 3 anos e ficava muito agitado, se jogava da cadeira e batia a cabeça no chão propositalmente. Com muito jeito, procurando entender as angústias e contornar as dificuldades com muita paciência, consegui fazer todos os tratamentos que ele precisava. E não era pouca coisa, ele tinha muitas cáries, precisava fazer canal, colocar coroinha de aço, restaurações em geral… E deu tudo certo!

Mas o que aconteceu depois? Bem, a mãe dele, vendo que eu tinha toda essa paciência e jeito para conseguir atender o menino, indicou para outras mães de crianças neurodiversas que ela conhecia das terapias que ele fazia, como terapia ocupacional, fono, etc. Então, essas crianças começaram a chegar cada vez mais. E é claro, chegavam desde crianças com um grau mais leve de comprometimento, que eu conseguia ter uma conversa e acolher dessa forma, até os mais severos, que eu precisava usar de outras maneiras para conseguir dar o acolhimento necessário, conquistar a confiança e atender.“

O que motivou o dentista a seguir por esse caminho

Perguntamos ao Dr. Edson qual foi sua motivação para seguir para esse caminho em sua profissão. Veja qual foi a resposta:

“Acredito que a vida nos apresenta desafios, e nós temos que enfrentá-los. Quando nós começamos a enfrentar esses desafios nós perdemos o medo e começamos a nos aprimorar como pessoa e profissional diariamente. Somando o meu conhecimento com o conhecimento que o paciente traz para o consultório, conseguimos solucionar o que para muitos é um problema.“

Como funciona o atendimento

Mas afinal, o que o atendimento de Edson tem que o diferencia dos demais profissionais quando o assunto é o atendimento odontológico à autistas? Bem, o dentista conta como funcionam os atendimentos para podermos entender o que torna isso possível:

“Para fazer um atendimento eu preciso acolher a criança. Com acolher eu quero dizer ganhar a confiança para que ela permita que eu faça o tratamento. Preciso entender o que funciona para ela em específico, qual vai ser a melhor abordagem para que ela se sinta confortável.

Recebo pacientes que posso acolher conversando, mas também tem aqueles que não se comunicam, têm diversas estereotipias, etc… Para acolher as crianças neurodiversas eu preciso conhecer elas primeiro. A criança vem, eu a coloco na sala e tento chamar a atenção dela. Existem aqueles que aceitam o tratamento depois de um tempo de interação, vendo um desenho que gosta comigo, ou quando faço uma massagem nas costas, coloco músicas que ela gosta, etc.

A verdade é que cada paciente é diferente e essa fase de conhecer é importante por isso. Por exemplo, tive um paciente que descobri que gostava de luzes azuis. Eu tenho um aparelho no consultório que emite uma luz azul, e quando eu trouxe esse equipamento e usei para iluminar a minha mão, ele ficou maravilhado. A partir daí eu estabeleci um vínculo com ele e o mesmo paciente que não queria nem sentar na cadeira deixou eu fazer todo o tratamento que precisava. Alguns levam mais tempo, outros são mais fáceis de acolher, mas o importante é ter  paciência e o cuidado com cada um deles.“

Dentista para autistas: um trabalho gratificante

Conforme conhecemos o Dr. Edson, percebemos o quão atencioso e comprometido ele é com o trabalho que realiza:

“Hoje, o que me marca é a descoberta em cada paciente. Descobrir o que aquela criança que está na minha frente tem de diferente das outras para entregar o que ela precisa para o atendimento acontecer.

Então, quando um paciente exige mais recursos, eu não digo que é uma experiência mais marcante, mas que eu tenho na minha frente uma criança desafiadora e que eu preciso encontrar qual a brecha de acolher. São várias formas de atender, e às vezes eu demoro para encontrar essa brecha de acolhimento.

É um tratamento mais trabalhoso de fato, têm crianças que choram, outras que entram em crise... E eu vou respeitando esses momentos até chegar a hora em que essa criança confia em mim e deixa eu fazer o tratamento necessário.”

Lutando pelo direito de atender crianças neurodiversas

É natural que crianças acabem chorando durante um atendimento. Isso é certamente fácil de imaginar até mesmo quando se fala em atendimentos de crianças neurotípicas. Agora, imagine uma criança autista e em crise… Acontece. O problema é que nem todos são tão pacientes quanto o dentista, e o mais absurdo aconteceu: ele foi multado pelo condomínio por causa do barulho. O prédio é comercial, e ainda que seu consultório tenha tratamento acústico, o som não é totalmente isolado pois é necessário manter as janelas abertas por causa dos protocolos de segurança da pandemia de Covid-19.

Ou seja: o dentista foi multado por fazer seu trabalho. Multado por prestar um atendimento tão importante para os autistas e tantas outras crianças com as mais diversas deficiências. E certamente que o mais assustador disso foi a ameaça de que o condomínio pode aumentar essa multa em até dez vezes caso houvesse reincidência. Bem, se o dentista é especializado em atender principalmente crianças, muitas delas com algum tipo de deficiência, é lógico que haverá reincidência. É triste ver que, enquanto de um lado temos um profissional fazendo um trabalho de inclusão valioso, do outro temos alguém querendo acabar com a viabilidade desse mesmo trabalho.

Mas felizmente Edson não abaixou a cabeça. Ele segue prestando os atendimentos aos seus pacientes e está brigando na justiça para garantir o direito de continuar fazendo seu trabalho em paz.

“Os direitos devem ser respeitados sempre, não só no Dia Mundial da Conscientização do autismo. Pelos direitos dos autistas.” – Dr. Edson Higa.

Vale a pena abraçar a causa

Por fim, esperamos que a história que contamos hoje sirva de exemplo para inspirar e chamar a atenção sobre a importância de existirem profissionais preocupados com a inclusão dos autistas e das crianças com deficiência nas mais diversas áreas. E isso não serve apenas para as áreas da saúde, como no caso em questão, mas em todas as outras áreas que compõem a nossa sociedade.

Edson aprendeu com os próprios autistas que existem muitas formas diferentes de prestar um atendimento inclusivo, conforme ele mesmo afirma. E além de beneficiar diversas crianças com seu trabalho humanizado, ele recebe uma retribuição impagável:

“Eu tenho um amor muito grande por essas crianças. Afinal, elas me ensinam a ser uma pessoa melhor todos os dias. A empatia na hora de atender é certamente o mais importante. Quando eu me coloco no lugar da criança, no lugar dos pais, sinto as suas angústias, suas necessidades, suas buscas… Isso me faz crescer.

Trilhar por esse caminho fez certamente uma grande diferença na minha vida. Me fez mais humano frente à uma sociedade que nem sempre faz a inclusão dessas crianças. Os autistas e as pessoas com deficiência precisam de inclusão, mas o que eles têm recebido, no geral, é exclusão. É como no exemplo da minha briga com o meu condomínio. Afinal, onde está a consciência, a empatia dessas pessoas? Eu não devia ter que brigar na justiça para levar mais inclusão.

Infelizmente a falta de inclusão no geral, faz com que muitas dessas crianças fiquem, de fato, esquecidas. Fazer a minha parte para tornar o mundo mais acessível é o que me melhora como pessoa. Isso é cativante, me traz crescimento, me transforma.“

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Esse foi o nosso #proTEAgonista da vez! Gostou de conhecer o Dr. Edson Higa? Então siga ele no Instagram (@edson.higa.7) e saiba mais sobre o trabalho dele. Aproveite para seguir também o Autismo em Dia nas redes sociais.

Obrigado pela leitura e até a próxima!