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Postado por Autismo em Dia em 20/mar/2020 - 10 Comentários
Com a quantidade de coisas que Tiago Abreu, de 24 anos, já realizou, o rapaz se destaca por onde quer que apareça. Jornalista, escritor e técnico em informática, o paulista/goianiense agora também vem chamando atenção na mídia. Ele é criador e apresentador do podcast Introvertendo, um programa onde, literalmente, autistas conversam. O projeto foi tão bem sucedido que virou referência dentro e fora do Brasil, acumulando prêmios, prestígio e uma importante função social. E, claro, cabe dizer: Tiago é autista. Seu empenho para quebrar barreiras e paradigmas na união entre comunicação e autismo é muito impressionante e por isso ele é o nosso proTEAgonista dessa semana. Agora, convidamos você para conhecer e se surpreender com essa história.
Índice
Durante a infância, Tiago apresentou alguns sinais de autismo. Começou a falar muito tarde e não respondia a alguns estímulos. Sua mãe chegou a pensar que o garoto era surdo. Ela consultou médicos, mas a resposta era sempre a mesma: deveriam colocá-lo logo numa escola e esses problemas se resolveriam naturalmente. Assim, Tiago cresceu tendo que enfrentar os problemas como bullying e dificuldades de interação, muitas vezes de forma silenciosa. “A gente sabe que tem algo, sabe que é diferente, mas não tem um nome para isso”, ele explica sobre o que sentia.
Tiago estava entre o final do ensino médio e o início da universidade quando recebeu um diagnóstico fechado de autismo. Aconteceu quando ele procurou ajuda médica por conta própria ao apresentar sinais de depressão. “Eu li várias coisas na internet e cheguei à síndrome de Asperger. Então resolvi procurar uma psicóloga”, conta.
O que a psicóloga fez, a seguir, demonstra o quanto o diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) não é algo que surge do dia para a noite. Foram várias sessões, visitas à casa e à família e, no final, um amplo relatório que considerava todo o histórico e o contexto da vida de Tiago.
Da psicologia, Tiago foi à neurologia, onde ficou à disposição de uma equipe multidisciplinar que trabalhou a partir do relatório. Os procedimentos aplicados também incluíram exames de eletroencefalograma (EEG), um método não invasivo, que utiliza eletrodos para registrar atividades cerebrais e possíveis anormalidades.
Já era um privilégio contar com esse exame em 2015, quando isso aconteceu com Tiago. Em 2019, pesquisadores norte-americanos encontraram métodos de interpretação dos resultados do EEG, que podem contribuir para o diagnóstico. O estudo conseguiu indicar o transtorno do espectro do autismo em bebês de 3 meses, cujos irmãos mais velhos também tinham TEA. ¹
“Como toda pessoa que teve o diagnóstico tardio, é um cenário muito complicado. Porque as suas dificuldades são sutis o suficiente para que você consiga transitar socialmente, mas também são significativas ao ponto de as pessoas perceberem que você tem alguma coisa. A gente fica nesse limbo até chegar o diagnóstico”. Confessa Tiago.
Tiago nos contou que, ao descobrir o transtorno, passou a se envolver de maneira expansiva com a comunidade autista e usar seus conhecimentos em autismo e comunicação. E ele até pode ser técnico em informática, mas a comunicação é a sua verdadeira paixão – não à toa sua graduação foi em jornalismo. Por isso, quando sua vontade de criar um podcast finalmente se encontrou com os parceiros ideais, o autismo saltou aos olhos como tema.
(Se você está ouvindo falar de podcast pela primeira vez, é semelhante a um programa de rádio, só que consumido sob demanda e pela internet. Não é novo, mas recentemente se tornou uma das mídias mais populares quanto ao consumo de conteúdo.)
A ideia original de Tiago era falar sobre música, mas então, na faculdade, ele conheceu o Luca, o Michael, o Otávio e o Marcos, que também têm o diagnóstico de autismo. Depois de quase um ano tentando convencer os novos amigos a participarem do podcast, finalmente nasceu o Introvertendo.
“A ideia partiu da minha visão de que já tinha muitos canais no YouTube sobre autistas contando de suas vivências, sempre individualmente, mas eu nunca tinha visto autistas conversando entre si. Fiz uma pesquisa e descobri que, quando começamos, só havia um podcast sobre autismo, que é de fora do Brasil, e quase nunca postava novos episódios, além de também ser só com uma pessoa. Então, nesse formato, nós fomos pioneiros. Logo depois que o Introvertendo começou, vários outros podcasts sobre autismo foram aparecendo dentro e fora do Brasil com a mesma ideia.”
Recomendamos aos nossos leitores o episódio 86 – O que é autismo
Em 2020, quatro anos depois da abertura do programa, o Introvertendo conta, além dos rapazes, com mais cinco apresentadores: Mariana, Willian, Yara, Paulo e Thais. Juntos, eles falam de vários aspectos do transtorno. Entre os temas, os autistas já falaram sobre aceitação, mercado de trabalho, namoro, universidade, seriados, música e, claro, a especialidade de Tiago: a relação entre comunicação e autismo – entre muitos outros temas. Já são quase 100 episódios.
Enquanto autistas, essa turma sabe muito bem que se comunicar e se fazer entender é um desafio constante que os acompanha desde cedo. Por isso, Tiago comemora a seriedade e a qualidade de expressão com que o podcast vem acontecendo, conseguindo manter a periodicidade. A existência do podcast com essa longevidade é um feito surpreendente. Tiago explica alguns fatores que ajudou o grupo nessa jornada.
“Para chegar no formato do podcast, tivemos que considerar que, por causa do autismo, nossa comunicação é atípica, então a plataforma onde sairíamos contaria muito. Se a gente fosse fazer um canal de vídeos, teríamos mais audiência, mas estaríamos mais expostos. Com o podcast, só precisaríamos nos preocupar com a voz. Então era confortável pra nós“, explica.
“Quem ouve o podcast percebe que existem diferentes níveis de habilidades tanto na comunicação quanto na familiaridade com o tema. Então isso é uma coisa que a gente vem trabalhando. Como líder do projeto, meu desafio é sempre perceber como cada pessoa pode contribuir com cada tema. O Marcos e a Thais, por exemplo, se dão melhor em temas socioculturais. Já o Willian tem um domínio técnico, é pesquisador.”
Tiago chegou a receber comentários surpreendentes quanto ao aspecto da comunicação. Uma ouvinte relatou que a forma como esses autistas conversam nos episódios é bem diferente da conversa de pessoas neurotípicas, e exatamente isso que a fazia gostar tanto do programa. “A gente encontrou a nossa forma de fazer o podcast acontecer, mesmo estando em 10 pessoas, achamos nossa forma de nos organizar em meio às outras partes das nossas vidas e fazer disso uma comunicação que funciona”, elogia Tiago.
O projeto não para de evoluir e surpreender. Chegou a ganhar dois importantes prêmios de nível estadual e nacional para projetos de comunicação feitos em universidades e, em março deste ano se tornou o primeiro podcast no mundo a ter uma versão em libras, para deficientes auditivos.
O podcast está disponível no site do projeto e também nas plataformas de áudio. Você pode conhecer clicando aqui.
Certamente, por trás do sucesso do podcast, houve uma trajetória universitária cheia de desafios e aprendizados na vida de Tiago. Apesar das dificuldades naturais do período – que podem ser intensificadas para alunos com autismo – ele diz não ter tido muitas dificuldades por sempre ter sido bastante autônomo em sua vida de estudante, desde o ensino médio, que cursou em uma instituição federal.
“O mais importante para mim foi a assistência em saúde mental, disponibilizada pelo programa Saudavelmente, que dá assistência com psicólogos e psiquiatras para todo o corpo estudantil. As conversas com a psicóloga e outros alunos acabaram, também, de certa forma, inspirando o podcast.”
O que Tiago não passou, acabou vendo durante os estudos de outros colegas. Um deles chegou a apelar para uma licença especial, onde o aluno recebe autorização da universidade para ir somente em dias de provas.
As principais dificuldades dos universitários autistas, segundo Tiago:
Como já contamos aqui no Autismo em Dia, o processo de adaptação das universidades para a integração de alunos autistas ainda se encontra em estágio inicial.
“O diagnóstico teve um impacto na minha entrada na universidade, porque eu não sabia como a universidade lidaria como isso. Mas sabia que existia o núcleo de acessibilidade. E como eu fiz minha matrícula ainda sem ter o diagnóstico fechado, procurei o núcleo pra informar minha condição. Na época, só havia duas pessoas declaradas autistas – uma delas era o Marcos.”
Tiago conta que o núcleo estava meio perdido, porque esses alunos autistas não enviavam demandas. Eles eram um tanto desconectados dos alunos com as deficiências mais visíveis, que traziam reivindicações mais específicas, como acessibilidade para deficientes visuais e dependentes de cadeira de rodas.
“Esse assunto dos autistas nas universidades é algo que me interessa bastante. Hoje, há um grande problema: além de não saber o que fazer, a gente não sabe de verdade quantas pessoas existem. Temos os dados do Censo da Educação Superior, que estima algo entre 1.100 e 1500 no Brasil, mas esse número pode ser bem maior, porque a ficha desses alunos ainda é baseada no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), onde ainda não existia a definição atual do Transtorno do Espectro Autista, como está descrito na edição mais recente do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5)“.
“No contexto da UFG [onde Tiago estudou], por exemplo, há 5 alunos oficialmente declarados, mas eu conheço uns 14 ou 15, diagnosticados, porém nem todos declararam à universidade. Na Universidade Federal do Pará, onde estive por um período, os números oficiais do estado contam apenas dois alunos, mas o núcleo deles atende 26 alunos na prática.”
O grande problema dessa subnotificação comentada por Tiago é que as pesquisas não avançam, e isso acontece em duas questões principais. Primeiro, no que diz respeito aos desafios do autismo em adultos, e depois, em relação as necessidades específicas que eles têm no ambiente acadêmico. Por isso, como já comentamos aqui no site, há uma série de benefícios em declarar o autismo, se possível, já no ato da matrícula.
Hoje Tiago vive condições muito boas na vida profissional e alguns feitos capazes de quebrar paradigmas.
A partir de seu envolvimento com a comunidade autista, ajudando a profissionalizar a produção de conteúdo sobre o assunto e influenciando jovens com autismo a apostarem em carreiras que antes pareceriam impossíveis, Tiago é constantemente convidado a dar palestras. Um marco nessa trajetória foi sua palestra no TEDx de Goiânia (TED é uma “franquia” de conferências que acontece no mundo todo e atualmente tem divisões por todo o Brasil, também).
Há pouco tempo ele também lançou o livro “Histórias de Paratinga”, gerado a partir de uma extensa pesquisa dele sobre a cidade de Paratinga, no sertão da Bahia, que tem pouco mais de 32 mil habitantes.
Hoje ele é contratado de uma empresa que produz soluções em experiências sonoras e conteúdos para grandes marcas. Mas também faz freelance de jornalismo nas áreas de entretenimento, comunicação e autismo.
“Eu sei que sou uma exceção. A maioria das pessoas dentro do espectro estão desempregadas. E quanto à maioria, não me refiro às pessoas no geral, mas das que são qualificadas, que têm uma formação profissional. É uma realidade bastante complicada.”
“A minha sorte é que, na maior parte do tempo, eu trabalho de forma remota. Não sei se eu conseguiria cumprir uma rotina num lugar fechado com várias pessoas. Profissionalmente, estou muito satisfeito. O que eu quero, agora, é ingressar num mestrado. Acredito que a comunidade de autistas no Brasil ainda pode evoluir muito com relação à comunicação e conteúdo. Se aqueles que têm formação na área de comunicação, como eu, se dispuserem a produzir, isso vai ser fundamental.”
Referência bibliográfica e a data de acesso
1. Saúde Abril – 17/03/2020
“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”
Estou finalizando meu curso de pedagogia.
E me dedicarei a inclusão.
Eu visto essa camisa.
Parabéns pelo seu trabalho se poder compartilhar conteúdos ficarei grata.
Desde já agradeço.
Olá Claudineia, ficamos muito felizes quando encontramos profissionais apaixonados pela causa do autismo aqui no blog! Desejamos muito sucesso na sua carreira e que você volte a nos visitar sempre. Um abraço!
Sou freira missionária moro em um convento vejo o quanto a comunicação nesse meio religioso ainda e falho
Abraço essa causa e desejo que ma missão Religiosa dedicarei defenderei essa inclusão
Pois assim sendo uma autista leve
Oi Glaucineide, que linda missão você tem <3 Adoramos conhecer um pouquinho de você! Volte sempre aqui no blog, escrevemos tudo com muita dedicação para divulgar cada vez mais a diversidade dentro do espectro!
Parabéns pela sua história linda e esforço superação persistência, fiquei muito feliz por você, pois tenho uma filha autista, me deu otimismo, parabéns mais vez que Deus te abençoe sucesso!!???
Oi Luciclea, a história do Tiago é muito inspiradora né ? Talvez você também goste da história da Taís, colega dele no Introvertendo, segue o link: https://www.autismoemdia.com.br/blog/autismo-em-mulheres-thais-mosken-e-o-espaco-do-autoconhecimento/
Esperamos que goste do blog e volte sempre nos visitar!
Olá! Tenho 2 filhos com autismo, 7 e 5 anos. Fiquei muito feliz em ler essa história! Encho-me de esperança quanto ao futuro dos meus pequenos.
Sou professora e venho estudando bastante sobre o TEA e inclusão para ajudar na construção da consciência sobre o transtorno.
Parabéns ??? Deus te abençoe, Tiago! Sucesso para sua equipe!
Obrigada pelas palavras tão incentivadoras Vivian. Desejamos muito sucesso pra vocês também ?
Olá! Tenho um filho autista com 17 anos, durante a infância ele se destacava entre os colegas, uma professora chegou até a cogitar Altas Habilidades, mas a falta de persistência dele em apenas uma área de conhecimento descartou essa hipótese na época pela psicóloga que o atendia. Esse ano ingressou na curso de Física da UFMS, mas está enfrentando muitas dificuldades por não conseguir se socializar com os colegas e professores (aulas online), não conhece ninguém pessoalmente. Já pensou algumas vezes em desistir porque acha que nunca vai conseguir viver em sociedade (palavras dele). No ato da matrícula ele se declarou autista. Estou tentando descobrir o que a universidade tem como auxilio, mas com a pandemia, tudo online, dificulta um pouco.
Fiquei muito feliz em encontrar essa página porque geralmente encontramos muitas informações sobre autismo em crianças mas poucas com jovens. Parece que as crianças crescem e que o autismo some, mas na prática sabemos que isso não é verdade. Vou ficar por aqui tentando buscar mais informações com vocês e também vou pedir ao meu filho para fazer o mesmo. Sucesso para todos!!!
Oi Gislene, ficamos contentes que o texto tenha te motivado. Seria muito legal seu filho conhecer outros jovens com autismo, de repente compartilhando dos mesmos desafios seja mais fácil para ele criar vínculos. Ouvir o podcast do Thiago pode ajudar bastante também. Segue o link: https://www.introvertendo.com.br/
Um abraço!