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Postado por Autismo em Dia em 20/set/2021 - 4 Comentários
Esta, provavelmente, é a história mais bonita que você vai ler hoje. Na efervescência cultural de Recife, em Pernambuco, a gente conheceu a terapeuta ocupacional Marcela Rodrigues e a artista plástica Tatiane Oliveira. Apesar de terem muitas diferenças, ambas estão no TEA e vivem o autismo entre irmãs. Marcela, de grau leve, teve um diagnóstico tardio. Já a irmã mais nova nasceu autista e com déficits cognitivos.
Ao ler a breve descrição acima, algumas pessoas poderiam supor que essa é uma situação triste. No entanto, o que vibra entre as duas mulheres é pura arte, alegria e vontade de fazer acontecer.
Quer saber do que, de fato, estamos falando? Então acompanhe com a gente!
Índice
Marcela tem atualmente 36 anos, muita história para contar, mas a sensação é de que a vida dela começou, de fato, não faz muito tempo. Ela passou a adolescência inteira vivendo situações invisíveis que, quando ela se deu conta, apontavam para o diagnóstico de autismo.
Aluna nota 10 vivendo uma rotina rígida, Marcela tinha interesses considerados estranhos. Porém, nada em sua rotina de colégio tradicional e filha exemplar perturbava sua existência.
Pouco antes da faculdade, Marcela teve que mudar de colégio, e foi aí que tudo aconteceu. “Eu sabia que era diferente, mas tinha minhas maneiras de me regular. Quando a minha rotina mudou, notei, então, que tudo embaralhou. Eu simplesmente não conseguia fazer mais nada”.
Apesar do período difícil, Marcela entrou para a faculdade e passou a viver sua fase mais intensa. Durante os anos de graduação e a imprevisibilidade do período, ela sofreu de depressão e passou a apresentar outras comorbidades.
“Na faculdade eu fazia terapia e fui acompanhada por um psiquiatra. A faculdade foi horrível, mas por minhas questões. Eu comecei a ver coisas na minha interação social, eu tinha problemas na fala… a questão sensorial para mim é absurda”.
A escolha de estudar terapia ocupacional não foi aleatória. Marcela conta que foi para a área para poder ajudar a irmã. Ao lidar, da mesma maneira, com outros autistas – sempre crianças, nunca adultos – Marcela começou a entender a si mesma como autista. Assim, ela tinha motivos de sobra para procurar o próprio diagnóstico.
“Quando a coisa foi piorando drasticamente para mim, eu percebi que eu precisava dos meus direitos. Muitas vezes, eu preciso de apoio, até para sair de casa, para lidar com a questão sensorial ou com a disfunção cognitiva. Às vezes, tomar um banho é um problema, conseguir levantar. Coisas pequenas, mesmo.
O diagnóstico para mim foi, sem dúvida, muito importante. Eu pude, assim, me perdoar de muita coisa. Assim como a garantia de direitos. Não é que eu esteja sendo capacitista, sou completamente contra isso. Mas é saber que você às vezes vai precisar de um apoio.
Eu sendo terapeuta ocupacional eu pude ajudar Tatiane em muitas coisas. Mas também pude me ajudar, na questão da autorregulação, nos transtornos sensoriais. Isso é muito importante para nós duas”, conta Marcela.
A Tati é uma pessoa muito feliz, muito sorridente. Essas não são nossas palavras, mas as da própria Marcela. Diferente da irmã mais velha, Tatiane, de 25 anos, é extremamente comunicativa. Logo, essa habilidade em se expressar entrou na rota do caldeirão que é Recife, no universo das artes.
Ateliês, museus e domingos de maracatu faziam parte dos passeios da família desde sempre. E por conta de seu talento para desenhos e pinturas, a família inteira incentivou Tatiane a fazer disso um trabalho, de fato.
Na página do Instagram em que Tatiane exibe seus trabalhos, é possível ver que o clima de Recife e do Nordeste brasileiro são parte da identidade da obra. É vivo, alegre e explode em cores. Em um dos vídeos onde a própria Tatiane aparece falando para a câmera, ela diz que quer “regozijar mais e mais” com seu trabalho.
“Tudo que está ali”, conta Marcela, “é feito com a minha ajuda, mas sob o comando total dela“.
Quando falamos da relação de Marcela e Tatiane, a coisa vai além de viver o autismo entre irmãs. Por conta da exposição de Tatiane como artista, Marcela deu o pontapé inicial para um projeto de valorização de artistas que estão no transtorno do espectro autista.
“Eu comecei a me preocupar com que espaços culturais tivesse espaço para esses artistas, um lugar onde eles tivessem voz. A Tati e eu conversamos e ela teve a ideia de que sempre que a gente visitasse uma cidade, que a gente pudesse apresentar, também, artistas autistas desses lugares. Isso é muito importante porque cada um tem a sua maneira de se manifestar. É importante para que a sociedade típica não nos generalize”.
O que, de fato, o projeto (que ainda não tem financiamento) quer fazer é criar temporadas de exibição em um ambiente virtual, com artistas de diferentes cidades. No final do período, a pretensão é que aconteça uma exposição presencial na capital de Pernambuco, com o intuito de promover a venda das obras.
No momento da entrevista, Marcela conta que está tentando parceria com a Secretaria de Cultura de Pernambuco para viabilizar o projeto. Por isso, se você que está lendo esta história é alguém que pode apoiar, entre em contato com Marcela por aqui.
Para Marcela, poucas coisas a deixam tão emocionada quanto falar de sua relação com Tatiane.
“Uma coisa muito interessante sobre nós duas é que a gente tem uma relação muito baseada em parceria. Somos uma dupla. Eu cuido muito de Tatiane, pois ela tem necessidades maiores que as minhas. Mas eu também tenho muita dificuldade de sair de casa, enquanto ela já é mais sociável. Por exemplo, um dia a gente foi ao shopping, algo que eu não gosto, porque tem muito barulho. E era época de natal. Eu me sinto segura de sair com ela porque ela percebe quando eu estou entrando em crise.
Nesse dia, que a gente foi ao shopping, ela curtiu o papai noel, fez um pedido. Por causa de todo o barulho, eu tive uma sobrecarga sensorial, e ela percebeu . Então de certa forma a gente se autorregula. Ela me afasta do local que tem barulho. Fala para a nossa mãe: ‘peraí, mamãe, eu sei o que está acontecendo’!
Então, a Tatiane me leva pro banheiro ou para um lugar onde não tenha ninguém. Me senta, me dá a garrafinha de água e me abraça. A gente funciona como uma dupla. Essa questão de ela perceber, de ela não reprimir se eu estiver balançando meus pés ou minhas mãos. De repente vou me acalmando, ela pergunta se eu estou bem.
Do mesmo jeito que se eu notar que ela tem alguma crise, eu já sei que é hora de ir para casa. São várias histórias, essas pequenas coisas que formam algo muito maior, é muito importante para nós duas. Poder passar pelas crises juntas é essencial.”
No papel de profissional da saúde, Marcela também falou um pouco sobre como é a realidade dos autistas na capital pernambucana.
“Como em todo o Brasil, acho que ainda temos muito a percorrer. As leis de inclusão são relativamente novas. Portanto, ainda existe uma luta grande de mães de crianças atípicas. Aqui em Recife, muitos espaços públicos ainda não são adaptados. E para o acesso aos serviços públicos de saúde é sempre a mesma luta.
Mas acho que a gente vai conseguir ter espaços adaptados para os autistas, com muita luta, claro. Estamos no caminho para isso”, conta Marcela.
Nós, do Autismo em Dia, ficamos muito gratos por conhecer pessoas como a Marcela e a Tatiane, que foram nossas proTEAgonistas da vez e mostraram na prática como é o autismo entre irmãs. Mas se você tem uma história com o autismo, ela também pode parar por aqui. É mandar uma mensagem no site ou em nossas redes sociais, Facebook e Instagram, que logo logo a gente manda um oi para você!
Histórias assim incentivam toda a comunidade de famílias de autistas a terem mais esperança de um futuro melhor. E sabe o que mais fortalece a comunidade? Compartilhar informações autênticas e verificadas, como os nossos artigos aqui do blog. Você já viu quanta coisa boa tem por aqui?
Esperamos te ver de volta em breve. Obrigado pela leitura!
“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”
Que lindo
?
que linda história das duas irmãs Gêmeas
Obrigado por deixar seu comentário. 💙