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Postado por Autismo em Dia em 16/set/2022 - 10 Comentários
A escola tem um papel muito importante na educação de qualquer pessoa. Entre crianças e adolescentes autistas, isso não é diferente. Por isso, a nossa entrevistada da vez é uma professora lá do Tocantins que vai falar como ela trabalha o autismo em sala de aula.
Gracileide Oliveira é professora, pedagoga e especialista em gestão escolar. Ela dá aulas em uma escola pública de Itaguatins, município com pouco mais de 5 mil habitantes às margens do Rio Tocantins. Todos os dias, ela encara o desafio de lecionar em meio às dificuldades do ensino público. No entanto, nada parece ser capaz de desanimá-la daquilo que ela sempre quis fazer: transformar pessoas através da educação.
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Apesar de uma carreira na educação, o primeiro contato de Gracileide com o autismo não foi em sala de aula. Ela é tia do Heitor, um menino autista que já apareceu aqui no Autismo em Dia. Como professora, sua formação já incluía certo preparo para crianças com algum tipo de deficiência. Porém, ela ainda não tinha vivenciado o dia a dia com o autismo. Sem contar que seu sobrinho mora com a mãe em Minas Gerais, muito distante de Tocantins.
“Enquanto a gente não tem o aluno autista em sala de aula, a gente não dá a devida importância. Mas a partir do Heitor, eu comecei a me informar mais sobre o assunto. Além disso, durante a pandemia, eu tive um aluno autista severo. Minha irmã também me passava vários materiais que ajudavam a mim e às minhas colegas de profissão.”
Como é amplamente conhecido, o ensino durante a pandemia teve diversas restrições. E, só agora, Gracileide está podendo viver a experiência completa de ter uma aluna autista dentro de sala de aula.
“Diferente do aluno autista do ano passado, essa minha nova aluna é muito mais calma. Ainda assim, a gente encontra muita dificuldade. Afinal, faltam materiais e recursos para trabalhar. E a nossa escola é pequena e ainda é um anexo de uma escola maior. Duas vezes por semana esses alunos precisam se deslocar até a sede, que é onde fica a professora de apoio e a sala de recursos”, explica Gracileide.
Gracileide conta que tem um relacionamento de professora e aluna muito bom com a menina e que isso tem gerado uma boa curva de evolução.
“Nos damos muito bem. Ela é uma menina muito boa e carinhosa. E a dificuldade dela é que ela não fica muito tempo na sala, não consegue se concentrar. Por isso, eu tento inseri-la nas atividades, chamo ela para ir ao quadro, por exemplo. E isso, entre outras coisas, desenvolve a coordenação motora dela. Às vezes, eu até comento sobre como o desenvolvimento dela é até maior que o de crianças típicas.
Quando não consegue alguma coisa logo de cara, ela chora muito. Ela gosta muito de pintar e adora dragões. Quando quer pintar um desenho de dragão, a gente corre e imprime um desenho. Ela adora cantar, também. E a gente sabe que a música é uma ferramenta de desenvolvimento que funciona para muitos autistas. Precisamos aproveitar esses momentos em que ela demonstra interesse em algo e que mostra as suas habilidades.”
No entanto, Gracileide demonstra preocupação sobre como a frequência instável de sua aluna pode comprometer o aprendizado. Gracileide explica que, talvez, a separação das escolas é o que faz com que a menina falte as aulas regulares quando precisa ir nas aulas especiais.
Ainda que faltem recursos clínicos para a intervenção de crianças autistas, em quase 100% dos municípios do Brasil tem, pelo menos uma escola. Para a maioria dos pais de crianças no espectro do autismo, a escola é a primeira e única forma de ação.
No caso desta aluna de Gracileide, não é diferente. E dois fatores contribuem com isso. Primeiro, a questão financeira, já que sua mãe trabalha bastante em uma padaria e não ganha o suficiente para cobrir atividades fora da escola.
Mas a questão geográfica do município também não ajuda. Gracileide nos contou que ela soube de uma única criança autista no município inteiro cujos pais levam para intervenções semanais fora da cidade. Porém, essa cidade é Araguaína, dentro do mesmo estado, a 215 quilômetros de distância. O que dá, em média, pouco mais de três horas de carro.
O transporte até essa cidade não é barato e nem sempre a viagem é possível, já que precisa de uma quantidade mínima de passageiros para ser viável. A mãe da criança comentou com Gracileide que os dois tratamentos específicos que ela faz em Araguaína, que são terapia ocupacional e psicologia, não são suficientes para o seu desenvolvimento.
A família agora pensa em se mudar para Araguaína, pois lá existe uma clínica que atende crianças autistas, mas que exige residência no município. Ou seja, passar por cima de todas essas dificuldades sequer pode ser tido como um privilégio, já que demanda um esforço grande dos pais para viabilizar.
Autismo em sala de aula e ensino público são sinônimos de dificuldade. De sua experiência, Gracileide destaca alguns problemas recorrentes como a resistência familiar e a falta de recursos.
“A primeira dificuldade que eu encontro é, sem dúvida, com as famílias. Na nossa cidade, infelizmente, existem vários pais e mães que não querem aceitar que seu filho ou filha é autista. O professor e a escola ajudam a detectar. Então, chamamos os pais para falar sobre levar a criança ao médico, mas nem sempre aceitam. Deste modo, nosso trabalho fica ainda mais difícil.
A outra parte da dificuldade são os recursos. Quando o aluno está muito agitado, por exemplo, não dá para levar para a outra escola, na sala de recursos. Então, a gente leva para a sala dos professores onde fazemos o que é possível. Felizmente, temos a internet para pesquisar atividades diferenciadas, na medida do possível.”
Para completar, Gracileide ainda cita a falta de políticas públicas que sejam voltadas para crianças com dificuldades físicas e mentais. Ela se preocupa que a falta de interesse público nesses assuntos, possa comprometer o futuro social e profissional dessas crianças.
Se muitas mães e pais que entrevistamos sentem esse abismo em cidades grandes como Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo, agora imagine no contexto de um município tão pequeno.
Em uma cidade em que há tão pouco disponível para quem é autista, a falta de conhecimento geral sobre o assunto é, também uma consequência. E quando o autismo não está nas rodas de conversa nem nas decisões políticas, pode gerar uma série de consequências para a população em geral.
Uma dos exemplos que Gracileide citou para nós foi de uma professora que, infelizmente, sem o preparo adequado, de boa vontade recomendou a uma mãe autista um remédio para o ouvido. Ela acreditava que a questão do aluno, naquele momento, era apenas uma questão de ele não conseguir ouvir adequadamente as aulas.
“Tem também a questão de que várias pessoas acham que é simples lidar com o autismo. Eles dizem, ‘ah, é tranquilo, eles são inteligentes’, fazendo uma associação que nem sempre procede de que o autismo está ligado à genialidade. Ou pensam que, porque não é doença, elas não precisam de ajuda para se desenvolver intelectualmente”, explica.
Mas eu acredito que nós, professores, estamos plantando a sementinha para que, no futuro, essas pessoas saibam como lidar com o autismo em sala de aula e fora dela. Porque, mesmo para os professores, a gente só começa a despertar de verdade para o assunto quando chega um aluno autista na nossa porta“.
A história dela ao mesmo tempo que é reconfortante, também é preocupante, pois vemos que ainda existe muito a ser feito. Assim como Gracileide, existem milhares de professoras por todo o Brasil com sede de conhecimento e vontade de mudar o panorama de seus bairros e de suas cidades.
Nós, do Autismo em Dia, acreditamos que dar voz a diferentes perspectivas de quem lida diariamente com autistas é um modo de fazer isso ser posto em prática. Por isso, se você tem uma história ou conhece alguém que tem, fale com a gente no Instagram ou no Facebook. É lá, também, que você pode ficar por dentro de diversos conteúdos educativos, emocionantes e descontraídos sobre o TEA.
Muito obrigado pela leitura e até a próxima!
LEIA TAMBÉM: Autistas na escola – como melhorar o aprendizado
“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”
Boa Noite.
Parabéns Professora Gracileide, pelo desempenho na escola, com o aluno autista.
Relato cheio de verdades. A voz da prof.a Gracileide e suas observações trazem em si a voz de muitos pedagogos.
Obrigado por deixar seu comentário. 💙
Minha ,filha tem autismo severo,inicia na escolinha este ano,gostaria muito q Deus coloca-se no caminho dela um anjo igual esta pedagoga ! Muito triste não saber como cuidar dela tem crises constantes e tbm é portado de epilepsia difícil controle, é uma crianca linda nossa Elloa Vitória
Bom dia ! linda matéria
sou tutora de uma criança com autismo severo. Ele não entra em sala de aula, fica muito pouco em um lugar só, fica muito incomodado com barulhos ou com muitas crianças,as vezes tem crises de gritos,ele tem 4 anos.
Sou professora do Ensino Fundamental I e venho passando por uma experiência desgastante com uma aluna com autismo severo, a família parece não aceitar muito essa condição da filha, trazendo para a escola sem medicação, a menina fica super agitada, bate a cabeça nas mesas, nos amigos. E por fim não tenho um professor que possa me auxiliar nas atividades que a aluna rejeita fazer. Gostaria de ajuda-la mas fico sem rumo pois a sala é numerosa e não posso dar atenção dirigida somente para ela.
Olá, Renata! É importante conversar com a administração da escola e com os pais e solicitar um acompanhante terapeutico que possa dar a atenção necessária para a aluna, é um direito dos alunos autistas.
Parabéns Professora pelo seu empenho.
Olá boa tarde sou mãe de um autista nível 3 não verbal parei de leva ele a escola pq a professora dele não inclui ele nas atividades e ele ainda não tem acompanhante oque faço.
Olá, Edilma. É fundamental que o teu filho tenha acesso à educação inclusiva e o apoio necessário. Recomendo contactar a direção da escola para discutir a situação e exigir um acompanhante. Se necessário, busca ajuda de associações de apoio a autistas para garantir os direitos dele.