Autismo com amor: como essa mulher se tornou a ‘mãe de todos’ no interior de São Paulo

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Postado por Autismo em Dia em 14/jul/2020 - 8 Comentários

O que acontece quando uma pessoa decide abandonar todos os medos e pré-conceitos e resolve tratar o autismo com amor? É isso que vamos te contar hoje, com a história da nossa proTEAgonista da vez.

Estamos falando da Clélia Santos, de Bragança Paulista, no Interior de São Paulo. Ela é mãe de um menino de 11 anos, o Luiz Henrique, que é autista de grau leve. Mas sua trajetória não se resume a ser mãe de alguém com o transtorno. Ela se envolveu de corpo e alma no tema e hoje concilia a maternidade com a responsabilidade de ser presidente de uma associação de apoio a mães e pais de autistas.

Clélia se tornou uma referência em sua cidade, agindo como porta-voz de muitas famílias. De gente que, assim como ela, viu a vida mudar depois de receber o diagnóstico. Por isso, convidamos você a acompanhar esta história extraordinária.

Com amor, Clélia – autismo e uma vida de dedicação

A maternidade já era uma constância na vida de Clélia quando ela se viu grávida de Luiz Henrique, que é o quarto filho. Mas nem mesmo a experiência com as três irmãs do menino puderam prepará-la para os desafios que viriam.

A vida andava tranquila nos dois primeiros anos de Luiz, mas aí Clélia percebeu algumas coisas diferentes em seu filho. Apesar de nenhuma das meninas serem iguais, certamente Clélia sabia como é o comportamento de uma criança neurotípica. “Foram seis meses desconfiando. Assim que matriculei ele numa escola, os comportamentos inadequados passaram a chamar bastante atenção dos profissionais do local. Assim, eles me chamaram para conversar sobre isso, me indicaram para uma neurologista. Dessa forma, decidi ir em busca de respostas”, conta Clélia.

Clélia não sabia ainda muito bem o que era autismo. Assim como muitas mães, foi guiada pela percepção de que havia algo diferente na criança. Para a surpresa dela, o diagnóstico fechado de autismo de grau leve veio bem rápido. “A princípio, não era o que eu queria ouvir. Foi um choque e um susto muito grande. Mas essa neurologista me trouxe palavras de conforto que me fizeram passar a lidar com isso de forma diferente, mais positiva. Naquele momento, eu soube que dependia de mim ir em busca de algo que fosse ajudá-lo”, explica.

Depois do diagnóstico: escolhendo tratar o autismo com amor

Dado o diagnóstico, a neurologista encaminhou Clélia e Luiz para uma APAE da cidade. Mesmo que a entidade tivesse um histórico de poucos autistas, Luiz foi aceito participar dos tratamentos cedidos. A APAE encaminhou à escola do menino um relatório sobre suas necessidades e, depois disso, Clélia conta que teve sorte ao encontrar profissionais capacitados.

Do mesmo modo, ela explica que não foi fácil. “Foi como entrar num mundo totalmente diferente, do qual eu não sabia muita coisa. A gente fica no escuro. Não diria luto, como algumas mães falam. Me senti isolada, mas ainda querendo fazer algo, tratar o autismo com base no amor que eu tenho por ele.”

Clélia conta os momentos de angústia em que via o filho se tornar mais agressivo quando chegava perto de algumas pessoas. “Era como se alguém estivesse batendo nele. Ele gritava muito. Eu tentava entender e acalmar, mas parecia que só piorava. ”

Clélia não se deu por vencida, claro. Passou a buscar conhecimento na internet, em livros e cursos. Mesmo quase 10 anos depois, ela afirma que ainda busca se atualizar para saber como lidar com isso. Só que ela conta que nunca foi de acreditar em tudo que ouvia. “Conheci muitas pessoas e, por consequência, me davam muitas informações. Mas eu chegava em casa e ia conferir o quanto de verdade tinha naquilo.”

Clélia reunida com todos os filhos.

Formando uma rede de apoio

Nessa trajetória de 11 anos, Clélia entende que alguns fatores foram determinantes para que tudo corresse bem. Principalmente o equilíbrio entre o ambiente do lar, o espaço da escola e as terapias.

“Aprendemos juntos. Tive muito apoio e orientação da escola. Eles também não sabiam muita coisa sobre autismo. Mas eles contrataram uma profissional de apoio que serviu tanto a ele como à escola num todo. Em casa, também pude contar com minhas filhas e meu marido num esforço coletivo.”

Contudo, quando Luiz Henrique tinha 7 anos, uma tragédia abalou a família. O pai do garoto atravessou uma depressão e sucumbiu, tirando a própria vida. Esse acontecimento teve um impacto direto na vida do menino. Segundo Clélia, Luiz Henrique regrediu bastante. Ainda assim, a família segue fazendo de tudo para que os tratamentos do filho apresente novas evoluções.

O perfil do autismo em Luiz Henrique

“Por onde o Luiz Henrique passa, ele encanta as pessoas“. Assim define Clélia uma das qualidades de seu filho. “É isso que eu sempre ouço das pessoas. Ele sabe se portar nos espaços, ainda que seja do jeito dele. Eu respeito e as pessoas respeitam também. Mas eu faço questão de explicar às pessoas o fato de ele ser autista. Não que os outros sejam obrigados a saber, mas porque eu acredito que seja importante contextualizar o comportamento dele“, explica a mãe. “Mesmo em situações constrangedoras, eu não escondo o autismo“.

Luiz Henrique é dono de uma personalidade que tem suas limitações por conta do transtorno, mas que, num futuro próximo, podem lhe beneficiar. O garoto é, segundo a mãe, um prodígio da informática. Adora produzir artes em 3D no computador. E esse conhecimento veio, principalmente, do seu próprio esforço. Como Clélia explica: “é difícil para ele frequentar uma aula formal de informática, já que ele deita no chão e distrai as outras crianças“.

Luiz Henrique é considerado verbal, apesar de não tecer muitos diálogos com as pessoas. Parte disso é devido à ecolalia como comorbidade. A ecolalia é um transtorno grave que compromete a capacidade da pessoa se comunicar e interagir. É um distúrbio onde a criança tem ecos da fala, ou seja, repete frases já ditas. Essa é uma condição tipicamente encontrada em autistas verbais. ¹

Na área das sensibilidades, Luiz, por exemplo, ama música, principalmente o som da bateria. Mas fica estressado com sons de fogos de artifício.

Os próximos desafios

Aos 11 anos, Luiz Henrique está vivendo uma fase de transição. Falta pouco para que ele não seja mais uma criança. A entrada na adolescência já preocupa Clélia: “Já estou buscando ajuda sobre isso. Procuro profissionais que estejam falando sobre a puberdade, sobre a sexualidade. Eu quero entender melhor para poder ajudá-lo. Fala-se pouco do autismo nos adolescentes. Esquecem que os autistas crescem. Não só crescem como o autismo vai acompanhar a pessoa para sempre. É por isso que é tão importante olhar o autismo com amor, para perceber e cuidar até do que não é tão aparente.”

Abraçando a causa do autismo, com amor e responsabilidade social

Enquanto acompanhava seu filho à escola, Clélia passou a conhecer outras mães numa sala de espera. Esse começo um tanto informal acabou se tornando um grupo de mães e pais, quando uma lei municipal decidiu extinguir a turma exclusiva para autistas nessa escola, para dar lugar a um novo projeto de inclusão. Foi o suficiente para causar uma revolta nessas mães e provocar um senso de organização.

Inquieta e ativa, Clélia começou a reunir pais e mães de autistas em sua casa para debater ideias. O intuito era mover alguma iniciativa que a prefeitura transformasse em ação real em benefício dos autistas. O projeto finalmente ganhou o apoio de uma vereadora, que há mais de 8 anos tem se comprometido a levar as pautas do grupo para a Câmara de Bragança Paulista.

Em 2015, o grupo realizou dois eventos que marcaram as datas comemorativas do autismo: 2 de abril (o dia mundial) e 18 de junho (dia nacional). Começaram com caminhadas discretas e, de 2015 para frente, o evento só cresceu. E todo ano a caminhada move a cidade. Inclusive, o grupo conseguiu uma aprovação por lei da existência da Semana de Conscientização do Autismo como parte do calendário oficial da cidade.

Com amor, AMADAS: uma associação organizada em favor do autismo

Em 2016, um esforço conjunto das famílias participantes do grupo, entre rifas e busca de patrocínios, levantou o dinheiro necessário para que houvesse um registro do grupo como uma entidade oficial. Assim nasceu a AMADAS, com Clélia na liderança. “Muitas famílias vêm até nós para pedir ajudas e conselhos do que fazer com seus filhos, e nós fazemos tudo que é possível. Eu acabo dizendo que eu venho adotando outros autistas. Além de ter o meu filho, ainda me envolvo com essas outras famílias”, conta.

“Mas ainda temos dificuldades, pois não temos verba pública para movimentar todas as nossas obrigações administrativas. Mesmo assim, não desistimos. Os pais são muito unidos e a gente acolhe essas famílias que chegam, pois todos nós sabemos como é isso. Damos orientação sobre os direitos, realizamos palestras. Temos também um advogado parceiro para fazer um pouco do trabalho social. Muitas famílias entram na justiça para conseguir profissional de apoio.

Da minha parte, eu marco reuniões com secretários municipais para passar os problemas. Mas ainda não conseguimos o que é o maior sonho da associação, que conseguir para a cidade um núcleo especializado em autismo, com atendimento médico e apoio escolar. Tem setores da saúde que atendem aos autistas, mas junto com outros públicos. Por isso, deixam a desejar. Mas pelo menos temos as secretarias da prefeitura envolvidas com a AMADAS, inclusive realizamos ações sociais junto ao município.”

Apoio à família

O grupo tem mantido os encontros presenciais para se apoiarem e discutirem os assuntos relevantes. Mas pela descrição de Clélia e pelas fotos nas redes sociais, é um ambiente de fato acolhedor. “Todo sábado, passamos uma tarde bem agradável juntos. Cada vez mais famílias nos procuram, de diferentes classes sociais. Todos que têm um diagnóstico de autismo na família sofrem o preconceito.

Nossa luta é por tudo. É pelo social, pelo lazer, pela saúde. Eu conheço e acompanho o dia a dia dessas famílias. Às vezes o problema enfrentado nem é exatamente com o filho autista, mas é algo dentro de casa. E aí eu sento, converso com esses pais para saber o que está acontecendo.”

As principais conquistas da AMADAS:

• Inclusão das datas oficiais do autismo no calendário da cidade.
• Criação da Semana de Conscientização do Autismo.
• Criação de lei municipal que dá prioridade aos autistas nos estabelecimentos.
• Obrigatoriedade de inclusão do símbolo do autismo em vagas prioritárias em estacionamentos públicos e privados.
• Diversas liberações de tratamentos em planos de saúde.
• Centenas de famílias transformadas.

Para conhecer melhor o trabalho da Amadas, clique aqui para acessar o Facebook da associação.

Referência na causa autista

Pelo seu trabalho, Clélia chegou a ser homenageada na Câmara Municipal de Brangança Paulista. Além disso, é tida como referência na luta pelos direitos dos autistas na cidade. “Me orgulho muito do trabalho que eu faço. O que eu faço pelo meu filho, também faço pelos filhos dos outros. Até mesmo quando é preciso chamar atenção. Isso também me fortalece. Um apresentador de TV daqui inclusive disse que eu sou a mãe de todos eles. E realmente, eu defendo, brigo, cobro. A gente sabe que falta muita coisa, mas não paramos de buscar e de tratar o autismo com amor.  A gente não tá pedindo nada. Apenas exigindo o retorno dos nossos impostos.“

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As iniciativas da Clélia e da associação AMADAS estão transformando a vida de muitas pessoas em Bragança Paulista. É um exemplo de como o amor e a coragem de enfrentar os desafios pode mover uma corrente positiva. E você também pode ser parte desse movimento do bem. Seja sendo voluntário num projeto próximo de você, sendo compreensivo e solidário ao ver um autista numa situação difícil ou mesmo multiplicando boa informação. Você pode começar compartilhando essa história com mais pessoas, que com certeza vão ficar inspiradas pela história da Clélia e do Luiz Henrique.

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Referências bibliográficas e a data de acesso:

1. Autismo e Realidade – 03/07/2020