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Postado por Autismo em Dia em 12/maio/2020 - 9 Comentários
Você já ouviu falar em autismo de alto funcionamento? Na prática, esse é um termo informal que se refere às pessoas autistas que desenvolvem melhor as habilidades do dia a dia.
Em geral, elas podem possuir um quociente de inteligência (QI) na média ou mais alto, isso significa que se adaptam melhor à leitura e à escrita e também podem não apresentar tantos problemas de fala, como é recorrente entre pessoas com o transtorno. Em resumo, quando falamos de autistas altamente funcionais, nos referimos aos de grau leve. ¹
Para ilustrar melhor como é isso na prática, convidamos a paulistana Daiana Camilo para falar de sua relação com a filha autista, a Manuella, de 5 anos, que vamos chamar apenas de Manu. Daiana, que é funcionária pública, também se tornou uma notável influenciadora nas redes sociais. Seus quase 30 mil seguidores acompanham a rotina dessa família de uma forma que é igualmente honesta e esperançosa.
Para nós, do Autismo em Dia, Daiana falou sobre como receber o diagnóstico mudou não só suas ideias sobre maternidade como transformou sua relação com a sociedade em geral. Acompanhe com a gente a história das nossas mais novas proTEAgonistas.
Índice
É difícil achar uma foto em que Manu não apareça sorrindo. Esse sorriso faz diariamente a alegria dos pais. Filha planejada e esperada, Manu nasceu apenas um dia antes do aniversário de Daiana, que aos 29 anos ganhava um presente que não tem preço.
Em paralelo à alegria de ser mãe, Daiana precisou lidar já cedo com reações atípicas de sua filha. Primeiro percebeu que Manu era muito agitada e quase não dormia – quando o que Daiana sabia era que crianças recém-nascidas dormem bastante. A menina também chorava muito quando era colocada no berço ou no carrinho de bebê, se acalmando apenas quando ia para o colo. Depois os pais notaram que Manu só reagia bem ao toque de outras pessoas se fossem seus pais. Nem mesmo os parentes próximos conseguiam esse contato físico com Manu sem que isso a incomodasse.
“Por causa disso nós começamos a nos isolar de todo mundo, porque era a única forma de manter a Manu calma”, conta Daiana. “Isso também causou uma série de conflitos porque as pessoas não entendiam.” Daiana acredita que muito se deve à falta de aspectos físicos do autismo. “Ninguém associava o comportamento dela a algum tipo de transtorno. Pensavam que ela estava sendo muito mimada, muito protegida. Mas era algo diferente. Não adiantava deixar ela chorando para acostumar.”
Depois da licença maternidade, Daiana passou a se preocupar em como a filha reagiria à mudança na rotina. “Eu pensei que se ela não se sentia bem em casa, imagine numa creche”. Mas para a surpresa de Daiana, Manu foi se adaptando bem. Ajudou muito, também, que a creche fosse exclusiva para os filhos dos funcionários e ficasse no mesmo prédio em que, na época, Daiana trabalhava.
Por ter a oportunidade de acompanhar tão de perto o aprendizado a filha, Daiana logo viu que o desenvolvimento da menina, comparado com o das outras crianças, era diferente. “Mas naquela época eu ainda não via nada estranho porque, ao mesmo tempo em que a Manu não fazia as mesmas gracinhas que as outras crianças, ela fazia outras coisas que os colegas dela não faziam”, explica. Coisas mais sentimentais e subjetivas como mandar beijos, acenar ou imitar não faziam parte da gestualidade de Manu, mas a menina aprendeu bem rápido o alfabeto e também os nomes das cores.
O desenvolvimento físico de Manu ocorreu dentro do esperado, o que já apontava para a condição de autismo de alto funcionamento. Ela engatinhou, andou e falou dentro de um tempo padrão, ou seja, nada com que Daiana pensasse que deveria se preocupar.
Mas foi exatamente o que manu usava de palavras que chamou atenção: “Apesar de já ter um vocabulário bom, ela só falava palavras soltas e sem sentido. Não usava a fala para se comunicar com a gente. Ela simplesmente falava o que queria falar. Por exemplo, você dizia ‘bom dia, Manu’ e ela respondia ‘amarelo’.” Além disso, frequentando a sala de aula da filha, Daiana viu que a menina se isolava das outras crianças.
Nesse período, Manu também começou a ter conflitos com suas questões sensoriais. As crianças da mesma idade estavam numa fase em que corriam muito, gritavam, eram muito agitadas. Isso provocou crises em Manu. “Ela se jogava no chão, fechava os olhos e tapava os ouvidos e chorava sem parar.”
Daiana já relatava os problemas periodicamente com um pediatra, mas a questão evoluiu para um neuropediatra. A maioria dos médicos por quem Manu passou dizia ser um comportamento normal, e só passaram a investigar – e, posteriormente, confirmar – o autismo quando a escola entregou um relatório sobre a menina.
No sexto ano de casamento, tudo ia tranquilo na vida do casal, na vida afetiva, social e profissional. Foi quando decidiram virar pais. Com o diagnóstico do autismo na filha, Daiana confessa que houve uma revolução: “Virou tudo de cabeça para baixo. Tudo que estava certinho e organizado saiu do nosso controle.” Dione, pai de Manu, tinha a pretensão de também trabalhar no setor público e tinha decidido largar o emprego para focar nos estudos. Como a renda da casa e o plano de saúde estavam ligados ao emprego de Daiana, Dione abdicou de seus planos, ao menos temporariamente, e passou ficar em casa apenas para cuidar da filha – estudando apenas quando tinha tempo livre.
Enquanto Daiana trabalhava, Dione levava a filha para a escola e também para as terapias. Depois do diagnóstico, ainda que fosse leve, ou de autismo de alto funcionamento, eles não quiseram perder tempo e apostaram em todas as sugestões dos médicos: terapia ocupacional (T. O.), terapia ABA (ou Análise do Comportamento Aplicada), fonoaudiologia, orientação pedagógica, consultas com neurologista e psicólogo e até equoterapia (com cavalos). Atualmente, os pais optaram por mantê-la apenas na fonoaudiologia e na T. O.
“Nesses últimos anos, a Manu evoluiu bastante. Então estamos trabalhando algumas questões pontuais e também colocamos ela para fazer algumas atividades extras, como natação, balé, inglês, culinária e também música, que é algo que ela gosta muito, algo que vem do meu marido, que é músico. Ela sempre adorou os instrumentos dele”, Daiana nos conta que tudo isso tem dado muito certo e melhorado o desempenho de Manu.
Pais e mães de crianças autistas tem a rotina da família transformada quando o diagnóstico fecha. Festas, shoppings, cinemas, cerimônias religiosas e outros eventos que fogem ao controle dos adultos e envolvem uma confusão de cores, sons e pessoas deixam de ser uma opção recorrente de entretenimento. Principalmente quando a criança tem alta sensibilidade.
Daiana nos contou como foi para ela e seu marido Dione: “Já tivemos muitas restrições, ocasiões em que queríamos muito estar e não pudemos. Em alguns a gente se revezava, um ia e o outro ficava com a Manu. Também já demos muitas desculpas, principalmente antes do diagnóstico, quando parecia que era a gente que não sabia educá-la. Hoje a gente participa de muita coisa, mas ainda temos dificuldade para atividades à noite. Ela toma alguns remédios e dorme antes das 8 horas. Seria até maldade tirá-la da cama para ir pra algum lugar. E se tivermos que ir, tem todo um trabalho para prepará-la para sair de casa tranquila no dia. Geralmente eu levo junto os brinquedos que ela gosta também.”
“Se a gente sabe que no lugar vai ter uma pessoa que possa desagradar a Manu, ou que vai ser um local barulhento, a gente não vai. Mas não deixamos de ir com pesar, é apenas pensando em não deixá-la irritada.”, conclui.
Nesse ano, Dione passou num concurso e Daiana teve a oportunidade de trabalhar de casa (mas ainda na mesma empresa) e finalmente passar mais tempo com a filha, apesar de Manu passar boa parte do tempo nas terapias.
“Tem sido maravilhoso. Posso acompanhar a Manu melhor sem ter que abrir mão de algo que também é importante para mim, que é trabalhar, estar com as pessoas e ter a minha independência. Também é bom porque, com nós dois trabalhando, podemos fechar melhor as contas de casa e dar uma qualidade de vida melhor para a Manu. Mas ainda é desafiador porque eu tenho que apresentar um bom resultado para não perder esse benefício de trabalhar em home office”, explica.
Daiana nos conta que nunca vivenciou, ao menos diretamente, uma situação de preconceito com sua filha. Segundo ela, isso se deve ao perfil alegre e risonho que sua filha sempre apresentou, o que faz muita gente gostar de Manu. “Ela tem seus momentos difíceis, de brabeza, de falta de paciência. Mas é a doçura e a alegria que predominam nela”, conta. “O que eu já vi foram situações de ignorância, como termos errados que as pessoas usam, ou se referirem a ela como uma criança doente e tratarem com pena. Mas você via que não era feito com maldade”.
Tanto é verdade que Daiana conta que, no lugar de as pessoas se afastarem, elas se aproximam quando veem a garota. “A Manu é realmente um serzinho de muita luz”, diz. “Trabalhamos tanto nela a questão de como brincar que hoje ela brinca o tempo inteiro. Raramente ficamos nós três brincando juntos, eu e meu marido temos que nos revezar para dar conta de tanta energia”, explica Daiana, claramente feliz com tudo isso.
O plano do casal sempre foi ter apenas um filho e, apesar de Daiana ter se sentido muito realizada como mãe, só ela entende, de verdade, o impacto dos momentos difíceis por conta do autismo em Manu. Quando perguntada sobre a possibilidade de voltar a ser mãe, Daiana enfatiza tudo que ela e Dione já consideraram.
“Nós pensamos principalmente na Manu. A gente considera tanto a possibilidade de não vir autista como de vir um autista de grau maior que o dela. E, dessa forma, não conseguiríamos dar a ela a mesma atenção que ela necessita e que hoje a gente consegue dar.” Daiana explica, também, que a decisão de ter apenas uma criança seria igual caso Manu não fosse autista. “Pode ser que um dia o instinto materno surja novamente, mas por enquanto estou muito realizada.”
Daiana não pensava em se tornar uma influenciadora, mas aconteceu. A partir de seu envolvimento com o autismo, ela começou a escrever sobre isso com base não só em sua experiência pessoal, mas também em cursos. Hoje, sua página no Instagram soma mais de 28 mil seguidores e é uma das maiores comunidades do gênero no Brasil.
Lá, ela compartilha seu dia a dia como mãe de uma criança autista e faz da sua presença digital um ponto de apoio para muitas famílias que, muitas vezes, tem na internet as únicas pessoas capazes de ouvir seus problemas e tirar suas dúvidas.
“O Instagram virou uma terapia para mim. Por mais que eu tenha aceitado bem o diagnóstico, os desafios são grandes e deixam a gente mais frágil. No perfil, eu sempre busquei colocar tudo de modo muito positivo, mas sem romantizar. Nunca me coloquei como alguém sortuda por ter uma filha autista e também nunca fiquei mostrando as coisas pesadas ou tristes. São sempre fotos da Manu sorrindo, passeando. E isso começou a motivar as pessoas que estão seguindo.”
“Muitas pessoas me chamam por mensagem pra tirar dúvidas, não apenas os que tem filho com autismo de alto funcionamento, também os pais de moderados e severos. E eu percebi que eram as pessoas mais humildes, tanto financeiramente como intelectualmente. Essas pessoas tem acesso muito limitado, às vezes um convênio que libera só 20 minutos de terapia por semana. Então eu comecei a ensinar o que sei para essas pessoas”, completa Daniela.
Com o crescimento da página na rede social, Daiana percebeu que muitas dúvidas sobre como ela fazia para desenvolver a filha eram recorrentes. Assim, a dupla foi parar no Youtube num canal que vem crescendo bastante.
Um dos vídeos mais marcantes (e também o mais assistido do canal) é um registro do momento em que Daiana conta para Manu, pela primeira vez, que ela é autista. Na dinâmica, Daiana utiliza elementos da linguagem infantil aliada com suas crenças religiosas sobre a origem da vida e compara a filha a um chocolate colorido criado por Deus.
Veja o vídeo na íntegra:
Enquanto mãe e influenciadora, Daiana enxerga com muita clareza e consciência social o seu papel. “Se é difícil para mim, que tenho condições de dar um bom estudo e boas terapias para a minha filha, imagina para aquelas mães que não tem o mesmo amparo que o meu. Eu sinto muito receio do futuro. Não sei como serão as próximas escolas que a Manu vai estudar, se as pessoas vão compreendê-la da mesma forma como acontece hoje. Mas o que eu digo é que os pais não devem temer ao buscar o melhor para os seus filhos e correr atrás dos direitos deles. Sejam positivos e acreditem no potencial de seus filhos autistas, tenha eles autismo de alto funcionamento, moderado ou severo. O papel dos pais é muito, muito importante.”
Linda a história da família Camilo, não é mesmo? Esse é apenas um exemplo, entre tantos, de como é a vida de alguém com autismo de alto funcionamento. E nós sabemos que ainda há muitas histórias a serem contadas e que podem inspirar outras pessoas. Você pode ser o nosso próximo proTEAgonista. Se você tem alguma relação com o autismo e acredita que seu exemplo pode inspirar a vida de alguém, entre em contato com a a gente!
Referências bibliográficas e a data de acesso
1. Neuro Conecta – 11/05/2020
“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”
Boa noite,
Hoje descobri que meu filho tem o mesmo problema que a Manu, foi difícil aceitar, mas vi que tem tratamentos e que posso dar isso para ele. Meu marido ficou extremamente preocupado, mas falei que nosso filho não é retardado, mas sim uma criança que tem algumas dificuldades que podemos incentivar dar o melhor que podemos para para ele.
Oi Rita, bem-vinda ao Autismo em Dia! Essa fase de descoberta mexe com muitas coisas na nossa mente e coração né? Mas ficamos muito contentes que você já sabe sobre os tratamentos e que poderá apoiá-lo nesse caminho. É exatamente o que você disse para seu esposo, ele é uma criança diferente, mas cheia de potencial! Temos certeza que ele sente todo esse amor e atenção e que vai muito longe! Um abraço carinhoso de toda nossa equipe ?
Boa tarde,
Muito obrigada, percebo que meu marido ainda não está preparado para conversar sobre o que está sentindo..mas aos poucos vou conversando e respeitando o momento dele.
Vai dar tudo certo ?
Boa noite sou a mãe do Gustavo ele é autista no momento tá sendo muito difícil porque tô tentando conseguir um benefício para poder ajudar ele pois não consigo trabalhar às vezes passamos por dificuldades tem dois dias que ele não toma remédio porque não tenho dinheiro para comprar e nem sei o que fazer no momento estou muito triste mas entrego nas mãos dadas ele vai encontrar uma solução porque Deus é fiel
Bom dia, tenho um aluno que tem aparenta ter TEA ou TDAH, a coordenação da escola já orientou aos pais que buscassem ajuda médica, devido ao comportamento do aluno em sala de aula. Ele tem 7 anos, é filho único, órfão de pai antes mesmo de nascer, super inteligente, reconhece as letras do alfabeto, cores, números… Porém ele não se concentra na aula, não fica sentado, ele se joga no chão, quando eu faço uma pergunta ele responde com outra palavra sempre ligada a comida ex: feijão, merenda, etc… Quando a turma estar fazendo barulho, ele quer gritar mais alto que todos e sempre a mesma frase: (diz o nome dele e compra: Estou aqui, cheguei).
Segundo a mãe, levou o aluno até o especialista, e o diagnóstico médico foi apenas imperatividade, porém tenho outros alunos que são imperativos, outros com déficit de atenção, porém não choram, gritam, se jogam no chão, e falam palavras repetidas.
O aluno é muito carinhoso, consegue o contato visual, porém não mantém por muito tempo, e sempre estar alegre e sorrindo. É uma doçura de criança, e a sua história me deu inspiração como lidar com o meu aluno, apesar de que a mãe não obteve um laudo médico específico, a pedagogia diz que não é necessário um diagnóstico médico para iniciarmos o ensino, pois todo pedagogo deve estar pronto, porque a educação é para todos sem exceção.
Olá Meilin, tudo bem? Ficamos contentes que o artigo te inspirou e também que estejam trabalhando nas especificidades deles mesmo sem um laudo.
Realmente, as características que você citou no comentário são bastante condizentes com o TEA. Seria muito importante que a mãe procurasse uma segunda opinião médica, preferencialmente um neuropediatra especialista em autismo. Vamos deixar aqui um e-book que produzimos recentemente que ajudam a rede e profissionais de apoio a falar sobre essas desconfianças com os pais de uma maneira afetiva e assertiva. Esperamos que possa ajudar. Segue o link: https://materiais.autismoemdia.com.br/sinais-de-autismo
Um abraço corajoso 🙂
Bom dia. Tenho um filho que ainda está passando por investigação de TEA nível 1 / asperger. Tem sido bem confuso e um pouco difícil todo o processo. Na busca por pesquisa sobre o esse mundo novo encontrei o blog e estou lendo todos os relatos, e tem sido emocionante, acolhedor e consolador por poder saber que mesmo com todas as dificuldades e lutas, vai ficar tudo bem.
Olá, Tamires. Que bom que gostou do texto. O termo Asperger não é mais utilizado, agora é apenas TEA nível 1. Um forte abraço! 💙