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Postado por Autismo em Dia em 03/mar/2022 - 4 Comentários
Atualmente, é cada vez mais comum que pais e mães se descubram autistas depois de receberem o diagnóstico de autismo dos próprios filhos. Por que isso acontece? Ainda não temos uma resposta definitiva, mas é natural que durante o processo de investigação, os pais acabem se identificando com alguns sinais que antes passavam despercebidos. Para entender melhor alguns detalhes disso, nós conversamos com a pedagoga e empreendedora Raísa Sphor. Ela, que mora em Santa Catarina, é mãe do Henrique, de 3 anos.
Tanto ele, como ela, são autistas. No entanto, o diagnóstico de Raísa só veio à tona depois de receber o do filho. Mas o que será que mudou na relação de mãe e filho ao compartilharem algo tão único? Descubra a seguir com a gente!
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Antes de ter Henrique, Raísa já era mãe. Mãe da Helena, de 8 anos. E, além da experiência maternal, Raísa tinha a seu favor a formação em pedagogia, ainda que pouco exercida. Logo, ainda no primeiro ano de vida, Henrique demonstrou alguns sinais diferentes do que ela tinha vivenciado com Helena, Raísa ficou alerta. Assim, com 1 ano meio, o menino já tinha o diagnóstico.
“A partir dos 8 meses eu já notava que ele tinha um atraso no desenvolvimento. Ele não batia palmas, não falava, sendo que até hoje ele é não verbal. Brincava diferente, virava os objetos, não respondia quando eu chamava. Até hoje ele ainda tem um pouco de dificuldade de atender ao próprio nome.
Nós passamos por 3 profissionais até conseguir o diagnóstico. Como ele era muito pequenininho, eles pedem que a gente espere um pouco mais porque cada criança tem seu tempo. Mas como eu já tinha uma filha maior, eu notava muito claramente a diferença de desenvolvimento“, conta Raísa.
Depois de receber o diagnóstico de autismo de Henrique, Raísa conta que começou a estudar mais sobre o transtorno. Enquanto pedagoga, ela já tinha trabalhado com autistas anos antes. Por conta disso, seu olhar era mais minucioso para perceber certos comportamentos.
“Nas minhas pesquisas na internet, acabei conhecendo páginas de autistas adultos e comecei a pesquisar sobre o autismo em geral e não só em crianças. E como tem alguns estudos que ligam o autismo à genética, isso me interessou ainda mais. Então, eu comecei a me identificar com várias coisas.
Eu não tive tantos problemas como o Henrique, no autismo a gente é bem diferente. Até porque é um espectro amplo. Mas os meus problemas eram principalmente na socialização e em algumas questões sensoriais. Sons, luzes, texturas, cheiros… só que, até então, eu não sabia que isso não era normal”.
Além dessas descobertas, em longa pesquisa sobre seus hábitos de infância, Raísa chegou em pontos bem íntimos. Quando mais nova, ela não conseguia dormir sozinha, sofria (e sofre até hoje) de depressão. Os consultórios de psicólogos e psiquiatras já eram uma constante em sua vida.
Para Raísa, o diagnóstico do filho foi, sem dúvida, uma oportunidade de proporcionar, desde cedo, uma melhor qualidade de vida ao menino. Porém, para ela, o próprio diagnóstico foi uma libertação. Ao investigar a fundo passagens nebulosas da infância e da adolescência, Raísa passou a se entender muito mais.
“Para a minha família, o meu diagnóstico foi muito difícil. Não tocamos tanto no assunto quanto fazemos com o autismo do Henrique. É quase como se eu não fosse. Isto porque, entre aspas, eu levo uma vida normal, as minhas dificuldades ninguém vê.
Hoje, com as terapias semanais e os medicamentos corretos, consigo viver melhor. Sempre fui uma pessoa totalmente pessimista, ansiosa, tinha crises de pânico, falta de ar, entre outras coisas estereotipadas no autismo, como não entender metáforas e piadas, por exemplo.
O que mais me incomodava era a questão de nunca conseguir estar bem e nunca saber dizer o que eu sentia. Por isso que ninguém nunca desconfiou na minha família. Eu só dizia que eu estava bem. Eu achava que todos os meus colegas sentiam a mesma coisa e que eu tinha que me acostumar de vez”, explica.
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Qualquer relação de mãe e filho é cheia de momentos que só os dois entendem. No entanto, quando além da ligação emocional e de sangue, mãe e filho compartilham a presença no espectro do autismo, a relação ganha mais uma dimensão. Raísa explica como é.
“A primeira coisa que muda é o meu olhar diante disso. Eu entendo e sinto na pele o que ele sente. É óbvio que não são sentimentos iguais, mas eu consigo compreender. Eu ainda falo pro meu marido, pai dele, ‘olha, ele está se sentindo cansado. Eu sei como é sentir isso. Vamos fazer silêncio, vamos apagar as luzes’. Então o meu cuidado é muito maior.
Porém, em contraponto, tem o outro lado. Ser mãe e ser autista é muito desafiador. Principalmente ser mãe de dois. Quando eu estou à beira de ter uma crise, preciso lutar muito contra os meus monstros internos, ficar muito focada. Às vezes eu só preciso fechar os olhos, ter um tempo pra mim. E várias vezes eu não tenho esse tempo.
Além disso, receber o diagnóstico tardio faz com que muitas pessoas achem que eu consigo lidar com tudo. Não me respeitam como respeitam o meu filho. É exaustivo! E eu ainda tenho que ensinar coisas para os meus filhos que eu mesma ainda não compreendi da vida. Por exemplo, explicar algo que está acontecendo na televisão que eu ainda não compreendi. E é no meio disso que voltam as crises, a depressão”, conta Raísa.
Apesar dessa dicotomia emocional, quando Raísa fala de Henrique, ela só tem elogios.
“Meu filho é uma criança muito feliz. As pessoas dizem ‘ah, que pena que ele é autista, vai sofrer’. Mas todo mundo sofre. Ser ou não autista não vai definir quem ele é e quem vai ser. E ele vai fazer as coisas no tempo dele.
O Henrique é extremamente doce e carinhoso. Ele veio para me mostrar que o autista também pode gostar de abraço, de carinho, de olhar nos olhos. Ele ama livros, ama carrinhos, hoje ele até gosta de passear, ao contrário de uns anos atrás. Para você ver como as coisas mudam e ninguém pode ser definido de maneira tão rígida, assim”.
O impacto da presença digital de autistas na internet é, sem dúvida, impressionante. É, com certeza, uma das coisas que vem mudando a forma como se aborda o autismo na sociedade. Mas isso também tem relevância na vida de quem produz conteúdo, pois aqui falamos em internet como uma forma de socialização e troca de experiências.
Raísa é uma dessas pessoas. Atualmente, ela administra uma página no Instagram, com o próprio nome, o perfil @raisasphor. Por lá, a primeira coisa que se nota é a interessante descrição: “uma mulher descobrindo a força que tem”. Uma afirmação empoderada, mas que também fala sobre a vulnerabilidade da mulher autista que também é mãe.
“A internet é uma das coisas que me salva. Eu alivio toda a ansiedade ali. Principalmente porque é por ali que eu escuto as pessoas, escuto as histórias. E as pessoas me procuram para conversar, para saber mais de mim e do Henrique. Então eu tenho essa sensação de ajudar os outros a se entenderem.
E então eu me pergunto: por que eu não percebi isso antes? A internet é tão boa para tantas coisas, e ao mesmo tempo tantas coisas desnecessárias que chegam até nós. Por que não utilizar a internet para fazer com que as pessoas se conheçam e não passem o que eu passei e sofri?
Então, no Instagram, eu escrevo, relato, desabafo… inclusive, tive muitos problemas com a minha família me expor, por falar certas coisas de mim. Mas foi uma coisa onde encontrei uma forma de libertação e alívio. Gosto muito de estar nas redes sociais e criando conteúdo relevante para as pessoas viverem melhor.
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Apesar de elogiar bastante o poder que sua exposição na internet tem em sua autoestima, Raísa conta que não vive sem terapias e outros hobbies em que tem investido.
“Depois que eu comecei as minhas terapias, que eu pude entender que eu precisava de um momento para mim, fui, então, fazer outras coisas para colocar as energias para fora. Fui fazer aula de dança e academia para ter aquele momento meu longe de algumas responsabilidades.
Aos poucos as coisas estão tomando forma. Mas eu sempre preciso de auxílio e terapia. Quando eu penso que as coisas estão ótimas, que não preciso mais pagar terapia. É aí que eu caio”, explica ela.
A história da Raísa e do Henrique é uma forma de nos lembrar que, apesar do caos, apesar da descrença, do preconceito, da discriminação e de apoio, ainda existe esperança. Esta que, tantas vezes, vem de lugares inesperados.
Você gostou de conhecer a Raísa e o Henrique? Então, vai gostar de todas as outras histórias de proTEAgonistas que já contamos e que ainda vamos contar. Siga as nossas redes sociais Instagram, Facebook e YouTube para não perder nenhum conteúdo. Até a próxima!
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Muito interessante a história da Raísa e do Henrique! Chama a atenção para o autismo tanto em crianças quanto em adultos.
eu e meu filho de 5anos somos autistas descobri a pouco tempo .
mãe e filho autistas é uma relação única. sei desde 2018 quando soube do diagnostico do meu filho. o meu só veio em 2024. conversei com meu filho sobre isso. Igor é uma criança única e desde a gravidez sabia que ele seria especial. melhor pessoa que conheço.
Oi Marilsa, que sorte dele ter você como mãe. Um abraço!