Como lidar com uma criança autista em quarentena?


Como lidar com uma criança autista em quarentena?

Postado por Autismo em Dia em 17/abr/2020 - 4 Comentários

Hoje vamos trazer algumas alternativas para responder à pergunta que está desafiando muitas famílias nesse momento: como lidar com uma criança autista em quarentena?

Estamos vivendo um período de tensão e incertezas por causa da COVID-19, clinicamente identificada como SARS Cov2, a nova mutação do coronavírus. A orientação da OMS e das autoridades de saúde do Brasil e do mundo é o isolamento social, já que essa é a melhor forma de conter a expansão da pandemia. ¹

Sabemos que esse é um cenário difícil para toda sociedade, no entanto, a preocupação das famílias de pessoas com TEA ainda vão além do possível contágio ou dos prejuízos econômicos.

Os desafios da quarentena para esse grupo ganham um nível de complexidade ainda maior quando se leva em conta a interrupção do tratamento e a mudança no cotidiano de crianças e adolescentes resistentes a elas, e que, além de tudo, precisam de acompanhamento terapêutico multidisciplinar e regular.

Afinal, como administrar a ansiedade desse momento? Como explicar a necessidade e a importância dessa “pausa”? Como lidar com uma criança autista que está fora de sua rotina? Quanta falta farão as terapias de apoio?

A verdade é que não existem soluções fáceis para problemas difíceis. Por isso, nosso propósito não é oferecer um manual definitivo para superar a quarentena, mas sim, ajudar as famílias a passarem por esse momento da melhor forma possível, dentro de suas possibilidades.

Assim como quase tudo que envolve o transtorno do espectro autista, as respostas vão depender das necessidades individuais de cada autista. Para ajudar nesse caminho de enfrentamento e reorganização, convidamos uma família que já proTEAgonizou um dos nossos artigos, para dividir um pouco de suas experiências, desafios, conselhos e aprendizados. Confira nossa conversa com a mãe do Nátan.

Índice

Como lidar com uma criança autista em quarentena: olhar materno

Márcia Regina Laurindo é mãe do autista Nátan, de 16 anos, e também professora de educação especial na região metropolitana de Curitiba. Ela contou para a gente um pouco sobre sua quarentena:

“O momento atual sem dúvidas é algo muito novo, por isso ainda estamos nos adaptando por aqui. A quarentena desorganizou a nossa rotina e não é fácil lidar com tantas demandas ao mesmo tempo. Nos primeiros dias foi um pouco mais fácil, pois estávamos em recesso antecipado, então meu trabalho e as atividades escolares do Nátan estavam interrompidas. Deu para cuidar da casa e até daquelas tarefas que ficavam de lado na correria do dia a dia. Mas como foi preciso estender a quarentena, as escolas implementaram o trabalho remoto, que é importante, mas que ainda é algo que precisa ser estruturado”.

Com a necessidade de trabalhar remotamente, e com filho autista em casa em tempo integral, o dia a dia se tornou confuso:

“Quero e preciso dar atenção para ele, nos primeiros dias adaptei nosso jardim para ficar seguro pra ele, pus a mão na massa e bloqueei um espaço que dava para uma escada perigosa, dessa forma ele ficou livre para passear pelo quintal, mexer na grama e respirar um ar puro. Mas a calmaria não durou muito. Como ele não pode ficar muito tempo sem supervisão, pois tem um comprometimento intelectual importante, nos últimos dias, enquanto eu trabalho fazendo vídeos para os meus alunos e atendendo a coordenação da escola e os pais, ele tem ficado mais tempo dentro de casa, na companhia dos seus desenhos favoritos. Não é o ideal, mas é como conseguimos passar por isso agora“.

ser mãe de autista na quarentena

Foto de Arquivo Pessoal: Márcia e NátanA professora Márcia nos contou que por enquanto, as atividades escolares do próprio Nátan ainda não chegaram, e que quando chegarem, ela provavelmente terá que tirar parte do tempo que seria dedicado para ficarem juntos e brincarem, para poder orientá-lo.

Esse novo modelo de educação exige muitas adaptações, tanto por parte dos educadores quanto das famílias que estão em casa. Para os professores é difícil, afinal de contas, não fomos treinados para dar aulas em vídeo, todo nosso planejamento anual levava em conta a interação e a orientação presencial, por isso, precisamos adaptar nossos conteúdos e atividades, trocar o pneu com o carro andando mesmo” conta.

Márcia explica que é necessário contar com a ajuda dos pais para que haja um aproveitamento efetivo dos autistas num modelo de educação à distância, só que muitos desses pais, assim como ela, estão lidando com seus trabalhos em casa e com as atividades normais do dia a dia, como por exemplo, preparar as refeições, dar as medicações para os seus filhos e até mesmo lidar com as outras intervenções terapêuticas.

Do ponto de vista profissional, a professora explicou que é preciso levar em conta o repertório educacional e as condições socioeconômicas das famílias:

Nível de estudo dos pais

Alguns pais têm pouco acesso à internet, e não sabemos qual é o nível de escolaridade deles. Isso significa que quando eu faço um vídeo explicando um conteúdo para os meus alunos, eu não posso assumir que os pais entendem completamente aquele assunto, eu preciso partir do começo, dando o contexto e a explicação sobre o tema, para só então, propor a atividade, isso demanda muito mais tempo e habilidades extras.”

Os recursos também precisam ser repensados, já que nem todos os pais vão ter materiais adequados para uma atividade pedagógica. Veja o que ela comenta sobre isso:

Materiais de apoio

“Os educadores precisam lembrar que nem sempre a família vai ter o que para nós é quase ‘básico’ como folha sulfite, barbante e tinta guache, por exemplo. É importante adaptar as atividades e ajudar os pais a encontrarem materiais alternativos que tenham em casa. Podemos começar evitando atividades com grãos, como arroz e feijão, por exemplo. É preciso levar em conta que esses alimentos podem estar contados em casa e que isso geraria um desperdício, que nunca é bem-vindo, muito menos em um momento como o que estamos vivendo. É preciso olhar para muitas questões quando se está lidando a educação à distância” complementa.

Depois de ouvir e acolher a experiência materna e profissional da professora Márcia, fizemos para ela a pergunta que abre nosso texto: afinal de contas, como lidar com uma criança autista na quarentena?

Dicas para lidar com os autistas e com suas próprias necessidades durante o isolamento social

Mesmo no meio de tantos desafios, Márcia dividiu conosco algumas estratégias que tem implementado no seu cotidiano, pensando em como tem equilibrado tantas demandas ao mesmo tempo. Fizemos uma lista com os conselhos que ela nos deu sobre o tema. Confira:

  • Explique para a criança o momento atual, você pode recorrer a ferramentas como histórias sociais e vídeos. Explicamos um pouco sobre isso nesse texto.
  • Converse com os educadores se sentir que precisa de ajuda para explicar e orientar uma atividade, e fale sempre sobre suas dificuldades, seja de tempo ou de recursos.
  • Se está fazendo home office, divida com seus líderes que em algum momento do dia você precisará acompanhar as atividades escolares do seu filho. Fale sobre a necessidade de estar presente para alimentá-lo, vesti-lo e cuidar de suas necessidades básicas.
  • Converse com outros pais e conte sobre suas experiências, pois isso nos lembra que não estamos sozinhos e podemos ajudar uns aos outros.
  • Se você tiver um espaço externo, aproveite alguns minutos com seu filho nesse espaço, tomem um solzinho, brinquem e respirem um pouco de ar puro.
  • Trabalhe dentro do seu horário ou tente negociar sua carga horária, lembre-se que vocês precisam de uma boa qualidade de alimentação e sono.
  • Ofereça segurança à criança e separe um tempo para interação e brincadeiras, e também para atender às necessidades emocionais dela.
  • Não se cobre demais, estamos todos ansiosos e meio perdidos, faça o melhor que você pode e lembre-se que ninguém é perfeito.

Brincadeiras para fazer em casa

Nós preparamos um e-book super legal com ideias de brincadeiras que além de divertidas, também podem ajudar a estimular algumas áreas do desenvolvimento da criança autista. Baixe e divirta-se com seu pequeno em um horário que fique confortável para os dois. Mas lembre-se que esse é um momento de lazer, não mais uma tarefa para cumprir 🙂

Como lidar com uma criança autista em quarentena: olhar clínico

Para enriquecer e complementar nosso artigo, queremos apresentar e divulgar as contribuições da equipe do Brazilian Institute of Psychopharmacology and Pharmacogenetics, o maior portal ensino à distância de Psicofarmacologia e Farmacogenética do mundo, que desenvolveu um material altamente instrutivo, intitulado: “Como ajudar as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista durante a pandemia do coronavírus”. ²

O artigo traz orientações de uma equipe multidisciplinar, composta pelas psiquiatras Dra. Daniela Bordini e Dra. Fabricia Signorelli, a fonoaudiologa Dra. Maria Claúdia Arvigo, a psicológa, mestre Fernanda Pierin Berardineli e a terapeuta ocupacional Thiene Rocha Bersan Felippette.

Muito alinhadas com o depoimento materno que a professora Márcia nos trouxe, a publicação médica abre a discussão com a reflexão sobre o contexto das famílias nessa quarentena:

“A maioria dos cuidadores estão sobrecarregados tendo que cuidar dos filhos fora da escola, monitorar atividades pedagógicas em casa (aulas online e tarefas), cuidar dos afazeres domésticos e refeições além de fazer home office para não perderem os empregos que sustentam os tratamentos quando eles são possíveis e acessíveis.”

Sob esse ponto de vista, o artigo chama atenção para a mudança brusca na rotina das crianças e adolescentes com TEA, lembrando que muitos deles podem estar mais agitados, privados de sono, impacientes e também mais desregulados sensorialmente.

A publicação também aponta que alguns autistas, indo na contramão do óbvio, podem estar mais tranquilos e confortáveis no seu lar. Isso pode acontecer porque eles não têm mais tantas atividades, pedidos de profissionais e exigências sociais impostas pela rotina da escola e das terapias.

Tratamentos para o TEA e apoio aos pais

Quanto ao papel dos pais, com um olhar bastante sensível e empático, o texto acolhe e esclarece:

“É indiscutível a importância de os pais atuarem como agentes e mediadores do tratamento dos
filhos com orientação dos profissionais especializados nesse período. Pode ser a única possibilidade para alguns casos. Entretanto as equipes precisam ponderar e equilibrar bem as demandas sugeridas, caso contrário, eles podem se sentir ainda mais sobrecarregados e fracassados nessa missão.
O mais importante é conseguir equilibrar uma rotina possível e saudável para todos, pois estamos sem perspectivas de quando tudo isso terminará (…)
Cada autista é único, cada família também. Então, não há receita pronta, teremos que fazer ajustes e adaptações individualmente.”

O artigo é bastante rico, por isso indicamos que todos os pais e cuidadores desfrutem do conteúdo na íntegra. Algumas dicas que você encontrará por lá:

  • Como manter as habilidades em desenvolvimento e favorecer a aquisição da linguagem da criança com TEA em casa?
  • É possível estabelecer uma nova rotina nesse momento?
  • Como oferecer uma adaptação mais confortável na quarentena?
  • Como lidar com o sono e alimentação do autista na quarentena?
  • O que é integração sensorial e como impacta as crianças com TEA?
  • Exemplos de brincadeiras e estratégias sensoriais.

Ficou curioso? Clique aqui e acesse o material completo.

Compartilhe nos comentários como tem sido a quarentena na sua casa, estamos ansiosos para ouvir as experiências dos nossos leitores 🙂

 


Referências bibliográficas e datas de acesso

1 – G1 – acesso em 14/04/2020

2 – Portal BIPP – acesso em 10/04/2020


 

“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”

4 respostas para “Como lidar com uma criança autista em quarentena?”

  1. Geiza Andrade Santos Silva disse:

    Que artigo maravilhoso, tenho uma filha autista de 5 anos e, tive a sensação que estava contando minha vida nesse artigo.
    Simplesmente maravilhoso.

    • Autismo em Dia disse:

      Oi Geiza! Que bom saber que essa matéria de trouxe um pouco de acolhimento. Ver histórias parecidas com as nossas nos lembra que não estamos sozinhos, não é mesmo? Esperamos vê-la sempre por aqui e também nas nossas redes sociais! Um abraço 🙂

  2. Alexandra Espedita de Oliveira disse:

    Muito enriquecedor o seu material, tenho uma filha de 7 ano que e autista,e requer muita atenção..A

    • Autismo em Dia disse:

      Oi Alexandra! Adoramos seu comentário sobre a matéria e adoraríamos conhecer mais da sua filha. Esperamos que volte sempre aqui no blog:)

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