Autismo e educação: os desafios da vida universitária


Postado por Autismo em Dia em 15/mar/2020 - 19 Comentários

Da escolha do curso ideal até a entrega do diploma, a vida universitária de um autista tem muitos desafios. Ainda não existe, ao menos no Brasil, turmas de faculdade adaptadas para as necessidades de pessoas com autismo. Ou seja, para dar continuidade na difícil trajetória que une autismo e educação, o estudante precisa encarar o modelo-padrão de ensino, seja em sala de aula ou por ensino à distância, pela internet.

Diferente dos ensinos infantil, fundamental e médio, o caminho para adaptação dos cursos superiores ainda está longe de um cenário ideal quando se trata de incluir pessoas com necessidades diferenciadas. Mas, aos poucos, esse assunto vai tomando lugar dentro das instituições. Conheça, a seguir, projetos acadêmicos e iniciativas que podem mudar o cenário dos autistas nas universidades nos próximos anos.

Índice

Autismo e educação: como escolher o lugar ideal

Tanto ao jovem autista quanto à família e amigos, é importante lembrar que o momento de saída do ensino médio para o ensino superior é uma fase complicada e que pode ser bastante estressante. Além da pressão de uma aprovação no vestibular, esta é uma fase de transição para a vida adulta. O autista que entra para a universidade ou grau técnico (assim como aqueles que vão direto para o mercado de trabalho) não está apenas voltando à sala de aula, mas está entrando para lugares da sociedade onde não há uma flexibilidade tão grande sobre quais decisões tomar.

Por isso, cabe seguir algumas dicas importantes e pertinentes na hora de escolher tanto o curso quanto a instituição: ¹

  • Escolher uma área que, além de estar de acordo com suas habilidades, não cause prejuízos à saúde mental (confira nosso artigo sobre profissões ideais)
  • Verificar se a instituição possui suporte a alunos com necessidades especiais
  • Escolher um local de estudo que esteja amparado por uma boa estrutura de mobilidade
  • Entender que fatores ambientais ao redor do local poderão causar alterações sensoriais

Fonte: Envato – Foto de Seventy Four Images

Como as universidades vem se adaptando para unir autismo e educação – e como elas devem se preparar ²

Estejam as universidades preparadas ou não, o fato é que os autistas estão entrando nas universidades. Por isso, é conveniente às instituições que se preparem para apoiar e incentivar os sucessos desses alunos, tanto quanto fazem para os estudantes típicos.

Algumas universidades pelo mundo vem desenvolvendo programas muito interessantes nos últimos anos. É o caso do Rochester Institute of Technology (RIT), de Nova York, que começou, em 2009, um programa que visa não os tradicionais aconselhamentos, mas o treinamento de como administrar o tempo, conciliar situações sociais, acessar os serviços de interesse e aprender a autodefesa.

Além disso, outra inciativa que vem apresentando bons resultados no RIT é um programa de preparação para alunos autistas que começa antes do início do ano letivo. Dessa forma, os novos alunos são apresentados à universidade sem a correria e a efusão do começo das aulas.

Não dá para negar, também, que os grupos de apoio são muito importantes. São eles que coletam as informações necessárias ao desenvolvimento de programas que facilitem a vida universitária de uma pessoa com TEA. Esses grupos devem fazer a informação circular entre os docentes, promover incentivo ao respeito, sugerir maior flexibilização da grade de ensino e disponibilizar locais com pouca ou nenhuma interferência externa para o aluno estudar.

Autismo e educação universitária: exemplos no Brasil

No Brasil, um desses exemplos é o o Incluir, Núcleo de Inclusão e Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No Incluir, a universidade promove debates e capacitação para alunos e professores que precisem lidar com os desafios do autismo.³

A PUC Paraná também possui um programa voltado aos matriculados com transtorno do espectro autista, transtornos específicos de aprendizagem e transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. É o Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP). Segundo a instituição, o SEAP aceita alunos que procurem o núcleo por conta própria ou por indicação de professores. A partir do primeiro contato, os alunos participam de atividades como: oficinas de comunicação para auxiliar na socialização e apresentação de trabalhos, encontros com psicólogos e programas de desenvolvimento pessoal e acadêmico. E a universidade ainda vai além, mantendo o Projeto Focinhos, que disponibiliza a interação com cães de forma terapêutica em períodos onde o estresse dos alunos aumenta. 4

Fonte: Envato – Foto de Press Master

Porque é importante declarar o autismo na matrícula 5

Declarar o diagnóstico é uma escolha pessoal, sobre a qual muitos estudantes relutam por receio de atitudes negativas dos colegas de classe. Isso pode ter origem em experiências ruins durante a infância e a adolescência. O grande dilema que, normalmente, impera para os estudantes autistas quando entram na universidade é: eles vão poder acessar os serviços de suporte à pessoa com deficiência, mas temem que isso possa comprometer a formação de amizades e sua participação no círculo social.

A Universidade de Bath, no Reino Unido, mantém um acampamento de verão focado em apresentar a vida acadêmica para alunos autistas. Eles fizeram uma pesquisa com 120 alunos para entender quais os maiores medos e receios destas pessoas ao entrar na universidade, assim como qual é a percepção dos alunos neurotípicos.

A pesquisa percebeu que alunos que não têm autismo tendem a compreender melhor o comportamento dos alunos autistas quando têm a informação.

Além disso, estima-se que há muito mais autistas nas universidades do que os declarados. Somente no Brasil, dos mais de 2 milhões de estudantes, há pouco mais que 1.500 autistas segundo o Censo da Educação Superior de 2018. A falta de informações também impede a evolução das universidades quanto ao atendimento de quem nasceu com TEA. Algumas universidades possuem núcleos de apoio a alunos com necessidades especiais, sejam elas físicas ou mentais, mas essas iniciativas dependem que as informações sejam precisas.

Esses núcleos acabam servindo de apoio não só aos alunos como, também, a professores e familiares, diretamente responsáveis pela construção de um ambiente seguro, saudável e estimulante aos autistas.

Educação e autismo além da sala de aula: formando relacionamentos promissores

A permanência na faculdade é um duplo desafio aos autistas, que precisam manter um bom desempenho e a ainda criar um círculo saudável de pessoas ao seu redor.

Mas é possível criar uma rede de contatos promissora e saudável.

Uma dica super legal e acessível é conferir os clubes temáticos possíveis de participação que a maioria das universidades promove. Esses clubes organizam encontros para debater ou realizar atividades referentes ao tema, sempre de forma bem espontânea. Assim, o estudante autista pode encontrar pessoas com quem seja mais fácil fazer amizades por meio de similaridades de personalidade. E as possibilidades são infinitas. Tem clube do livro, de vídeo games, RPG, dança, música, poesia, e muitos outros. Quanto mais específico for o grupo, mais interessante ele pode ser.

E, se não tiver o clube que a pessoa deseja participar, é possível sugerir à administração da universidade a criação do mesmo.

Fonte: Envato – Foto de Monkey Business

Como ajudar um colega de classe com autismo 6

A vida no campus pode ser particularmente desafiadora para pessoas com o transtorno do espectro autista. Mesmo que eles tenham a capacidade, muitas vezes a falta de apoio ou compreensão os faz desistir e duvidar da própria capacidade. Mas existem coisas simples que os outros acadêmicos podem fazer para diminuir a ansiedade e o estresse de um discente com autismo.

Concentre-se nos pontos fortes

Quando conhecer um aluno autista, descubra quais são os pontos fortes dele ou dela e o incentive a usar isso em prol de si e das equipes com quem trabalhar. Uma qualidade, que pode fazer a diferença, por exemplo, é a atenção aos detalhes, algo que com certeza vai poupar tempo e recursos na hora de desenvolver um projeto.

Colabore com o ambiente sensorial

Essa dica vale para alunos e professores. Autistas são sensíveis a uma série de coisas que geralmente acontecem dentro de sala de aula. Falatório, concentração de pessoas e, dependendo do curso, algumas distrações visuais e auditivas (como cartazes, ventiladores, sons que atravessam da sala ao lado, entre outros). É importante que todos colaborem para que não haja esse tipo de distração de modo exagerado.

Além disso, não é incomum que a disposição das salas mude ou mesmo a turma seja realocada em outros espaços. Comunique à pessoa autista com antecedência para que ela tenha tempo hábil de acostumar à mudança.

Evite ambiguidades

Os alunos autistas são bem rápidos na hora de interpretar uma questão, e o modo analítico com que o cérebro funciona pode ficar confuso quanto ao que, acidentalmente, pode ficar ambíguo. Por isso, uma linguagem clara é imprescindível. A não ser que haja um motivo pedagógico que justifique isso.

Planeje e entregue as informações com antecedência

Se você precisar que o aluno autista – tanto quanto os demais – saibam de algo, se antecipe, não deixe para a última hora, ou eles podem ficar extremamente ansiosos. Serve para apostilas, materiais de estudos, datas de provas, entre outros.

Promova acolhimento

Seja você aluno ou professor, transforme a sala de aula num ambiente que acolha. Os autistas precisam sentir que está tudo bem se precisarem se ausentar durante a aula, ou se precisarem usar chapéu ou óculos escuros ou manusear constantemente um objeto. É importante livrar o local de críticas ou brincadeiras maldosas.

Viu como autismo e educação universitária podem andar de mãos dadas? Compartilhe esse artigo e ajude a promover a inclusão dos autistas nas universidades!


Colaborou neste artigo:

Dra. Fabrícia Signorelli Galeti
Psiquiatra especialista em TEA – CRM 113405-SP


Referências Bibliográficas e a data de acesso

1. Autism.Org – 07/03/2020

2. Spectrum News – 07/03/2020

3. Revista Autismo – 11/03/2020

4. PUCPR – 10/03/2020

5. The Conversation – 10/03/2020

6. The Guardian – 08/03/2020

 

“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”

19 respostas para “Autismo e educação: os desafios da vida universitária”

  1. Natália disse:

    Ótima matéria!
    Eu gostei muuito :))

  2. Shayane disse:

    Artigo incrível, parabéns!

  3. Catarina Rodrigues disse:

    Muito bom, muito instrutivo.

  4. Kiria disse:

    Gostei muito do seu texto! Achei sintético e destacou pontos significativos para uma trajetória acadêmica mais suaves aos estudantes com autismo, assim como a implicação dos outros atores sociais

  5. Simone Mattos disse:

    Muito importante o assunto. Acho q, pela ansiedade exacerbada, deveriam ter flexibilidade na quantidade semestral de disciplinas, bem como no tempo para a conclusão. Sinto esse preocupação na minha filha, autista de alta funcionalidade. Tem capacidade, mas os prazos e trabalhos em grupo muitas vezes desmotivam e isso me preocupa por já apresentar uma tendência para depressão. Preciso sempre conversar e acalmá-la tentando q não se cobre tanto.

    • Autismo em Dia disse:

      Muito bem colocado Simone. Ficamos contentes que você consiga apoiá-la com tanta assertividade e empatia. Um abraço corajoso.

  6. Liliane Miriam Fernandes disse:

    Bom dia!
    eu tenho uma amiga que tem muitos “sintomas” que indicam que ela é autista, mas nunca passou no médico por isso , ela rem 30 anos e também tem depressão.
    Ela começou curso técnico em enfermagem, mas percebo que ela é ansiosa demais pra entregar trabalhos, a professora pede hoje ,no outro dia está pronto coisa que é pra entregar no proximo mês, por exemplo, e ela faz tudo muitooo colorido , as vezes não dá nem pra entender de tão colorido
    isso também é sintoma de autismo?
    Oque posso fazer pra ajudar?

    • Autismo em Dia disse:

      Olá, Liliane! A melhor forma de ajudar é encorajar que ela busque um diagnóstico, pois isso pode ser muito importante. Lembre sempre que encorajar não significa ser insistente. Converse com ela sobre isso, pergunte se ela gostaria de saber se faz ou não parte do espectro, se gostaria de ajuda para encontrar um neurologista ou neuropsicólogo especializado em autismo em adultos, mas sempre respeite a vontade da pessoa caso ela não demonstre interesse em se aprofundar.
      Um abraço.

  7. Joana disse:

    Boa noite!
    Ainda não pude ir em busca de eventual diagnóstico tardio e gostaria de saber se é comum estudantes com autismo de nível 1 não conseguirem concluir cursos?
    Já desisti de dois cursos de graduação sem motivos aparentemente relevantes, além de que o último ano do ensino médio foi muito difícil concluir. Ocorre que na graduação que estou agora sempre achei complicado a diversidade de matérias, assim como conseguir estudá-las e fazer trabalhos/provas de todas na mesma época, além de que não consegui cumprir o prazo do TCC, o que piorou minha depressão. E embora alguns pensem que é falta de empenho, não o é, é como se o cérebro bloqueasse e tivesse que lidar com uma coisa de cada vez.

    • Autismo em Dia disse:

      Olá, Joana. Isso é comum tanto no autismo quanto no TDAH. Para ter certeza se possui algum dos diagnósticos (ou ambos), indicamos que procure atendimento com um neurologista ou neuropsicólogo especializado em autismo.
      Esperamos que encontre as respostas que procura. Um abraço! 💙

  8. ANDREIA CRISTINA ZAMPROGNO SILVA disse:

    EU SU MÃE DE UM AUTISTA COM QI ELEVADO ELE É ACIMA DA MÉDIA ELE QUER SER CIENTISTA ENTENDE TUDO DE BOMBA GOSTARIA MUITO QUE ALGUÉM DESSE UMA OPORTUNIDADE AO MEU FILHO ELE TEM 12 ANOS E SOMOS DE VILA VELHA ESPIRITO SANTO E ELE ESTÁ CURSANDO O 7 ANO NA ESCOLA SATURNINO RANGEL EM VILA BATISTA . TENHO MUITO ORGULHO DO MEU FILHO O NOME DELE É BRAYAN JORDAN ZAMPROGNO BARBOSA TEL (27)998268683 .OU (27)32892466 RESIDÊNCIA

  9. Acsa disse:

    Tenho uma filha autista, está com 19 anos , seu talento e desenhar , quer entrar na universidade pra estudar artes, tens informação no Brasil referência de universidades que tem um bom acolhimento para autistas na área artística.

    • Autismo em Dia disse:

      Olá! Seria interessante fazer uma pesquisa de cursos na área na sua região e, então, fazer uma visita para conversar com o corpo docente e ver com qual universidade ela se sente mais confortável e se identifica mais. 💙

  10. Igor Castagnetti Silva disse:

    Sou Psicólogo e gostei muito desta reportagem. Realizo Avaliação Neuropsicológica/Psicodiagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, em adultos. Caso tenham interesse, convido vocês para conhecerem o meu trabalho: https://psi.igorcastagnetti.com/

    Um abraço!

  11. Raquel disse:

    sou autista, tive diagnóstico tardio e já estava na universidade quando recebi o diagnóstico! fiz contato com o núcleo de acessibilidade e inclusão, da universidade. mas nunca me senti acolhida e nem confortável pra ser ouvida. hoje, depois de muito lutar por acessibilidade na universidade, eu entrei em um estado de desistência, falta de esperança em realmente ser ouvida, acolhida, respeitada. meu hiprfoco é justamente o assunto que meu curso aborda, sempre fui ótima aluna em aulas práticas. e hoje, parece que eu criei um bloqueio. o assunto universidade, aulas, pessoas desse núcleo… me deixa com uma ansiedade desproporcional, me gerando muitas crises! e eu fico muito triste e não entendo muito bem essa situação toda…

    • Autismo em Dia disse:

      Olá, Raquel. Sentimos muito por isso que tem passado na universidade. Um forte abraço e não deixe de nos acompanhar por aqui!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


error: Este conteúdo é de autoria e propriedade do Autismo em Dia